Post by marcofreitas86 on Sept 6, 2009 18:55:42 GMT 1
Passaram-se quase três anos desde o lançamento do terceiro album da Dave Matthews Band - “Before These Crowded Streets”. Durante este friso cronológico foram editados dois discos ao vivo: “Listener Supported” com a banda completa e “Live At Luther College” acústico com a participação de Dave Matthews e Tim Reynolds. Após três álbuns de estúdio bem sucedidos, a Dave Matthews Band enfrentava uma época muito penosa... os fãs por seu lado estavam esfomeados por novo material de estúdio:
“The vibe was not very good. Dave had to dig into his soul... and what was coming out was pretty interesting"
»Steve Lillywhite
Descontentes com as novas canções produzidas por Steve Lillywhite, a banda arquivou este material em prol de um novo projecto com a colaboração de Glen Ballard. O resultado foi “Everyday”- um conjunto de doze canções escritas por Matthews e Ballard em dez dias.
In the end, the way to get out of that was to move away from the whole thing... including Lillywhite (…) Apart from moving on, after six mouths I was open to everything"
»Stefan Lessard
EVERYDAY
Editado: 27 Fevereiro 2001
Tempo total: 51:00
Editora: RCA
Produtor: Glen Ballard
Faixas:
1. "I Did It" – 3:36
2. "When The World Ends" – 3:32
3. "The Space Between" – 4:03
4. "Dreams Of Our Fathers " – 4:41
5. "So Right" – 4:41
6. "If I Had It All" – 4:03
7. "What You Are" – 4:33
8. "Angel" – 3:58
9. "Fool To Think" – 4:14
10. "Sleep To Dream Her" – 4:25
11. "Mother Father" – 4:24
12. "Everyday" – 4:43
Gravado em: Conway Studios, Los Angeles, CA (Novembro 2000)
Basta ouvirmos os primeiros cinco segundos da primeira faixa para percebermos que estamos perante um novo mundo – estamos perante um corte radical com o passado. Foi com esta sonoridade que Dave Matthews Band inaugurou o novo milénio que coincidiu com o inicio de uma longa época de self-discovery e de experiências musicais que só terminou (segundo Matthews) em 2009 com o lançamento de “Big Whisky And The Groogrux King”. Porque é que este disco é tão diferente dos primeiros três? A lista de respostas possíveis é enorme: desde o artwork do disco; passando pelo renovado elenco de produção e edição; sem esquecer as letras e o próprio formato das canções… tudo cheira a novo naquele que é visto por alguns fãs como o trabalho que fugiu à “evolução natural” da banda. Durante esta análise tentaremos analisar todas estas questões bem como problematizar uma série de conceitos adoptados por alguns críticos e fãs para catalogar este disco.
Ao eclodir das primeiras notas de “I Did it” reconhecemos uma nova paisagem sonora: agora a guitarra eléctrica é a grande protagonista e catalisadora harmónica da escrita da banda. Todos sabemos que nos três primeiros trabalhos Matthews fez-se acompanhar da guitarra acústica, recorrendo ao seu amigo Tim Reynolds para desenvolver alguns preenchimentos harmónicos na guitarra eléctrica. Ao contrário do que é referido por muitos fãs, o uso da guitarra eléctrica não foi uma estreia de “Everyday”, já que em outras faixas como “Drive In Drive Out” ou “Cry Freedom” encontramos um acompanhamento harmónico destacado por este instrumento. A grande diferença é que na ausência de Tim Reynolds, os riffs de guitarra eléctrica (desta vez tocados por Matthews) apresentam-se muito mais agressivos que os de outros trabalhos, através do uso de efeitos de pedaleira e distorção.
Em termos temáticos encontramos uma série de letras triviais que contrastam com os simbolismos presentes nos trabalhos anteriores. A fórmula constituída por um refrão repetitivo com a frase “I Did It” não é porém um marco novo, basta voltarmos a “Drive In Drive Out” - a faixa cuja letra é a mais fraca de “Crash”. Estes refrões repetitivos atingem o seu paradigma no álbum “Stand Up” (A desenvolver na parte 7).
Em termos musicais nota-se a ausência do violino nesta faixa, o que não quer dizer que Tinsley esteja ausente, bem pelo contrário: o violinista deixa temporariamente o seu instrumento para cantar uma pequena secção do verso em rap. Este novo elemento apanhou de surpresa os fãs da banda, porém nem tudo nesta nova sonoridade é diferente: o riff inicial prolonga-se até ao verso, servindo de acompanhamento base para letra cantada por Dave. Esta é a prova de que apesar de soar diferente, algumas das características basilares de DMB continuam a segurar os pilares estruturais de algumas faixas deste disco.
Quando foi lançado como primeiro single, “I Did It” obteve uma recepção negativa, já que a grande maioria dos fãs não reconheceu a banda no seu novo fato sonoro. Alguns apelidaram esta nova sonoridade de “comercial”… conceito muito problemático e que merece ser discutido. A priori toda a música lançada através de uma editora é comercial, seja ela de que estilo ou género for. A indústria musical – composta por uma série de editoras (que são empresas) – necessita de lucros. Logo não podemos esquecer que toda a música editada tem o objectivo de ser comercial, inclusive a música erudita. Há quem defenda que música comercial contém determinadas características que prevê elevados números de vendas, associando este estilo a nomes como Britney Spears, Madonna ou Backstreet Boys. Se considerarmos que a música de Dave Matthews não obedece a estes parâmetros, percebemos o quão falível é esta observação ao percepcionarmos que o álbum “Crash” de DMB vendeu mais cópias que “American Life” de Madonna. Em suma, estamos a lidar com os valores e gostos pessoais que são muito diferentes de sujeito para sujeito… o conceito de “comercial” ou “mais comercial” apresenta-se assim erógeno, já que no limite toda a música editada é comercial.
Avancemos para o segundo single deste disco: "The Space Between". A balada por excelência deste trabalho apresenta-se com um formato familiar: um verso com características obscuras que contrasta momentaneamente com um refrão luminoso e cantabile. Nesta faixa apercebemo-nos ainda com mais facilidade de que estamos perante um trabalho de produção muito diferente da exercida nos primeiros registos da banda, através de uma orquestração e produção de Blen Ballard que inclui um elevado número de preenchimentos e efeitos de sintetizador. Em algumas faixas estes preenchimentos ocupam um espaço tão dominante que netralizam o papel de Leroi e Tinsley, músicos que vêm drasticamente reduzidas as suas aparições neste disco. Leroi ainda tem hipótese de tocar algumas notas no final desta faixa, ao contrário de Tinsley cujo violino ainda mal se ouviu. Em termos temáticos esta faixa não é tão banal quanto parece, sendo provavelmente uma das letras mais interessantes deste conjunto de canções:
Mais uma vez Matthews lida com a desconfiança e desconstrói uma visão harmoniosa e funcional do amor, apresentando de forma simbólica alguns dos problemas existentes numa relação amorosa. Carter passa despercebido nesta faixa, também porque a mesma não deixa muito espaço para as acrobacias rítmicas com que o baterista nos habitou em registos anteriores. Na esmagadora maioria das faixas Carter limita-se a manter o ritmo, provando que o baterista foi um dos maiores prejudicados desta nova roupagem musical.
Outra balada deste disco é “Angel”, uma das faixas mais estranhas que contrasta com ID “natural” da banda. Apesar de se iniciar com uma interessante intervenção de guitarra eléctrica, esta transforma-se naquele que é frequentemente tido como um dos momentos mais infelizes da banda. Porque é que muitos fãs não gostam desta faixa? Antes de mais não encontramos quase nenhuma intervenção do violino enquanto o saxofone surge despercebido. Por outro lado a letra é muito fraca e trivial, apresentando-se muito longe da complexidade lírica e holística presente nos trabalhos anteriores. Há que salientar que a linha melódica vocal do refrão não é de todo característica de Dave Matthews:
Já discutimos anteriormente (nomeadamente durante a análise de “Crash Into me”) o recorrente jogo de palavras característico da escrita de Matthews, principalmente nas múltiplas associações inerentes ao verbo “to come” que parece estar (mais uma vez) associado ao momento hegemónico de um acto sexual sob a forma de orgasmo. A referência ao “your candy” pode também sugerir uma imagem intrinsecamente sexual.
Segundo os autores (Matthews e Ballard), estas doze faixas foram escritas no espaço de dez dias. Este limitado tempo de composição entra em dicotomia com o despendido para grande maioria das faixas anteriormente editadas pela banda. Como vimos anteriormente, essas faixas já existiam anos antes de se iniciar o processo de gravação, factor que contribuiu para a maturação do material musical antes deste ser fixado em cd. Ballard é conhecido pelo seu imediatismo animal, capaz de produzir uma série de hits em tempo recorde. Uma das suas mais conhecidas produções foi “Jagged Little Pill” de Alanis Morissette, disco que incluí o sucesso “Ironic” cuja letra e música foi escrita em menos de uma hora. Se tivermos em conta que um processo semelhante foi accionado para a produção deste “Everyday”, temos de admitir que algumas das faixas estão realmente interessantes, como os casos de “So Right” ou “What You Are”.
Apesar da faixa “So Right” se iniciar com um riff pouco característico da banda, podemos constatar que na sua globalidade esta é uma das canções mais equilibradas que encontramos neste disco. É interessante salientar a recuperação do som do saxofone baixo, que se apresenta como parte integrante da textura musical deste riff. O que torna esta faixa "mais característica" da banda é facto de encontrarmos pequenos apontamentos de todos elementos do grupo, mesmo que estes sirvam apenas de fundo enquanto Matthews canta. É também nesta faixa que encontramos um dos únicos solos de saxofone presentes neste disco, apesar deste ser muito pequeno (dura apenas 15 segundos).
A notável diminuição de secções instrumentais neste trabalho acontece devido ao facto da banda não ter participado no processo de composição. Segundo Boyd Tinsley as faixas foram apresentadas aos restantes quatro elementos e estes limitaram-se a tocar e preencher a textura musical com algumas interjeições. “Dream Of Our Fathers” faz parte do grupo de faixas cuja falta de espaço para secções instrumentais é mais notória. Desde o inicio até praticamente ao fim não encontramos um único segundo de música instrumental, já que a voz de Dave nunca está ausente da textura musical. Esta faixa entra em dicotomia quase geral com tudo o que a banda fez, onde se nota a ausência total do saxofone e violino, substituídos por efeitos de produção e sintetizador. Estes factores combinados são mais que suficientes para justificar o facto de esta música nunca ter sido tocada ao vivo, fazendo desta uma autêntica raridade que nunca conheceu uma versão ao vivo.
Uma das temáticas dominantes na cultura pop do final do século XX/inícios do século XXI prende-se ao famoso bug do ano 2000 e à alusão ao fim do mundo, muitas vezes elucidada em letras de canções (“Until the End Of The World” e “Last Night On Earth” de U2 ou “Will 2 k” de Will Smith ), filmes (“Armaggeddon”, “Indeppendence Day”, “Terminator: Judgement Day”) e até mesmo em séries televisivas como exemplo de “O fim do mundo”, uma produção da Globo Brasil. Dave Matthews Band não ficou indiferente a esta questão ao editar “When The World Ends”:
Dave apresenta uma versão sexualmente explícita do fim do mundo ao exercer uma comparação entre a força de um acto sexual e a destruição furiosa dos prédios. O erotismo desta faixa é diferente do presente em “Crash Into Me”: enquanto que em “Crash” a letra não é tão explicita, surgindo disfarçada pelo tom doce e intimista da voz de Matthews; em “When The World Ends” a explosão sexual é notória através de descrições que sugerem imagens sexuais, cantadas de forma bem mais agressiva e maliciosa. Em termos musicais esta é a única faixa onde Tinsley tem algum destaque através do seu papel dominante no riff principal da música… apesar de este estar enredado de efeitos de produção. No fim desta canção encontramos uma situação interessante: a música é abruptamente interrompida a meio de uma frase… um corte sonoro que podemos interpretar como a representação do fim do mundo.
Em seguida gostava de tecer algumas considerações no que diz respeito ao artwork deste trabalho. Antes de mais há que salientar que este foi o primeiro disco cuja capa inclui uma foto da banda, findando o costume de adicionar uma imagem cujo conteúdo se identifique directa ou indirectamente com o título do disco. Numa época em que a imagem (aparência) ganha cada vez mais importância e que o consumidor sente necessidade associar uma cara à música, a máquina de produção garantiu que os novos fãs atraídos por esta nova sonoridade conhecessem os artistas. Esta visão ganha ainda mais força devido à inclusão no booklet de uma foto para cada membro do grupo, devidamente identificada com o nome do músico e instrumento que toca. Ainda no artwork há que salientar a notória ausência das letras, facto que se repete apenas em “Stand Up” (curiosamente estes são os dois álbuns cujas letras são frequentemente tidas como as mais fracas, fazendo com que a ausência das letras possa ou não constituir um acaso).
“Fool To Think”é outro exemplo de uma letra fraca que gira em torno de uma temática amorosa trivial que inclui um refrão repetitivo (tal como vimos anteriormente em “I did it”). Em termos musicais encontramos uma interessante interpretação de Carter num raro momento de inspiração rítmica através de contratempos numa base rítmica ternária simples (pouco comum no catálogo da banda), naquele que talvez é dos únicos momentos em que reconhecemos o baterista deste disco.
Tal como a letra de “Fool To think”, a grande maioria das temáticas de “Everyday” entram em contradição directa com aquela que é vista por muitos fãs como a “santíssima trindade” de DMB, constituída pelos três primeiros discos. Assistimos desde modo ao camuflar de uma crise existencial e artística que a banda atravessava na época cujo coração temático se encontrava nas arquivadas sessões com o produtor Lillywhite. Apesar de notarmos este camuflar na grande maioria das faixas do disco “Everyday”, ao percepcionamos as letras de “What you Are” e “If I Had it All” podemos constatar alguns resíduos da eminente crise:
“If I Had It All” apresenta um sujeito poético nostálgico com o passado e insatisfeito com o presente. Esta temática que já estava presente em “The Dreaming Tree”, apresenta-se aqui com uma linguagem directa e bem menos simbólica que lírica presente na faixa que nomeou o disco “Before These Crowded Streets”. Em termos musicais não existem novos elementos a adicionar a não ser o facto de encontrarmos acompanhamento dominante de sintetizador enquanto Leroi e Tinsley passam despercebidos no meio da textura musical.
A faixa seguinte “What You Are” constitui um dos momentos mais coesos deste disco, através de uma sonoridade que se apresenta com características que conhecemos de outros trabalhos: Em primeiro lugar há que salientar que Leroi e Tinsley conseguem algum destaque através de alguns apontamentos de fundo enquanto Dave canta a letra. Depois reencontramos uma sugestão a ambientes orientais (principalmente na introdução). No contexto de concertos ao vivo esta música ganhou uma maior proporção, fazendo desta uma das únicas faixas deste disco cuja interpretação ao vivo foi bem recebida pelos fãs (situação que se repete apenas com a faixa que dá nome ao disco - “Everyday”). A forma como Matthews canta entra em consonância com a vocalidade anteriormente exercida em “The Last Stop” (mais comedida porém), projectando musicalmente a inquietude presente na letra:
Esta faixa pode sugerir o desconforto de Matthews perante a fama, razão pela qual o artista não consegue muitos momentos discretos. Por outro lado podemos interpretar as frases “What youve become, Just as I have, Are you and I so unalike?” como uma crítica (in)directa aos dirigentes da sua editora que pressionava o artista a escrever novos sucessos. Claro que estas não passam de hipotéticas interpretações de uma letra que só por si pode desencadear um elevado número de diferentes pontos de vista.
A faixa “Mother Father” resulta da segunda colaboração entre a Dave Matthews Band e Carlos Santana. A primeira colaboração surgiu em 1999, inserida no projecto que visava assinalar os trinta anos de carreira do guitarrista mexicano. O resultado foi “Supernatural”, disco desenvolvido sob o formato de duetos que se tornou o mais vendido do guitarrista, inclui “Smooth” com Rob Thomas, “Maria Maria” com Whyclef Jean, “Corazón Espinado” com Maná e “Love Of My Life” com Dave Matthews e Carter Beauful.
Uma nova colaboração com Santana surge em “Mother Father”, faixa que inclui algum sabor latino enunciado na sua introdução quer pela intervenção da guitarra com toque latino quer pelo uso da percussão tocada por Karl Perrazo, percussionista de Santana. O estilo guitarristico de Carlos Santana é pessoal, conhecido por conseguir passar emoções através da sua peculiar forma de tocar: diz-se que consegue pôr uma guitarra a chorar ou cantar, criando uma série de diálogos entre o cantor e a guitarra, que prevê um aumentando gradual da tensão até ao desencadear geral de emoções. Estas características estão implícitas em ambas colaborações de Matthews com Santana, porém, há que admitir que a faixa “Love Of My Life” mostra-se superior à “Mother Father”. Qual o problema central desta segunda faixa? Em primeiro lugar não encontramos qualquer interjeição de Tinsley ou Leroi, uma dupla ausência que não passa despercebida. Esta situação faz com que percamos momentaneamente a noção de que estamos a ouvir um disco de Dave Matthews Band, com a certeza de que esta faixa encaixar-se-ia melhor no álbum a solo de Mathews. Em segundo lugar é impossível deixar de reparar na fraca letra desta canção, cuja base assenta na frase “Mother Father please explain to me” repetida até à exaustão (ao todo 13 vezes), mesmo quando a melodia muda. Porém nem tudo são críticas negativas: há que salientar as interessantes mudanças de compasso (de quaternário simples para quaternário composto), bem como o uso de técnicas de rasgueado - técnica de guitarra acústica/flamenca frequentemente associada ao ambiente latino.
Como já tivemos oportunidade de percepcionar, a estrutura da grande maioria das faixas deste disco obedecem ao formato canção evidenciado através do alternar de secções de verso-refrão, à semelhança do que encontramos na grande maioria da música pop. À primeira audição tudo indica que “Sleep To Dream Her” será a excepção à regra, porém, se a observarmos com atenção constatamos que o formato é essencialmente o mesmo. Não existem dúvidas no que diz respeito ao verso – tudo o que Dave canta tem carácter de verso, desenvolvido através de uma melodia vocal muito repetitiva. Assim sendo, o refrão será a secção em que Leroi executa um solo de saxofone estereotipado, com uma linha melódica bem definida. Tendo em conta que ambas secções alternam entre si, podemos concluir que o formato continua presente… a diferença é que o refrão não tem como solista a voz de Matthews mas sim o saxofone de Leroi.
A derradeira faixa deste disco é o título homónimo deste grupo de canções – “Everyday”. Esta é única música em que o acompanhamento dominante é da guitarra acústica, contrariando a tendência absolutista que a guitarra eléctrica obteve no decorrer deste trabalho. A harmonia tendencialmente simples já tinha sido apresentada ao vivo em “#36”, canção que tinha sido editada no disco ao vivo “Listener Supported” que contou com a participação especial das “Lovely ladies”. O esquema harmónico de “#36” é assim transposto para “Everyday”, cuja letra quase infantil lida com questões humanitárias como o amor ao próximo, incluindo até uma alusão directa ao “All You Need Is Love” - faixa popularizada pelos Beatles em 1967:
Apesar da sua temática inócua (no sentido de não chegar à complexidade de "Cry Freedom" cuja temática era semelhante), “Everyday” é uma das faixas mais queridas dos fãs no contexto de concerto ao vivo, a julgar pela recepção do público e na sua participação activa a cantar “Hani Hani, come and dance with me”, recuperando assim parte da letra de #36 que homenagia Chris Hani, activista assassinado que lutou contra o Apartheid na África do Sul. Em termos musicais não existem grandes factores a assinalar, a não ser a presença de Vusi Mahlasela no inicio da música, artista sul-africano que também lutou contra a discriminação racial exercida pelo antigo regime sul-africano. Mais uma vez Leroi e Tinsley passam despercebidos perante uma textura musical apertada, sendo as suas aparições restringidas ao complemento harmónico executado através de notas pedais (longas).
Podemos referir que no seu todo este é o disco mais homogéneo em termos sonoros, porém quando o comparamos com o restante catálogo da banda percebemos que este é o trabalho mais heterogéneo, de tal forma que será mais fácil encontrar dicotomias do que parecenças. A noção de banda desvanece-se, pelo menos do modo como estávamos habituados a concebê-la: “Everyday” parece muito mais um disco de Matthews a solo com a participação esporádica e especial de Tinsley e Leroi. As contribuições de Carter são simples e impessoais, desprovidas das características idiomáticas que caracterizam o estilo do baterista. Longe vão os tempos em que Stefan tinha conseguido proezas tão emblemáticas como a introdução de “Crush” ou o acompanhamento de baixo em “The Dreaming Tree”. O tempo geral das músicas deste trabalho é muito inferior ao de registos anteriores: a faixa mais curta do disco anterior (“Stay” – 5:07) consegue ser maior que a faixa mais longa deste disco (“Everyday” – 4:43). Esta disparidade deve-se à falta de secções instrumentais e intervenções dos instrumentos solistas, que neste disco vêm-se sufocados pela falta de espaço para brilharem ou porque foram simplesmente substituídos por interjeições de sintetizador.
Se esta sonoridade prejudica de forma directa o papel de todos os elementos da banda, porque é que a mesma aceitou publicar estas músicas? Existem muitos mecanismos problemáticos que surgem no contexto da indústria discográfica: o próprio Matthews referiu em algumas entrevistas as recorrentes pressões dos dirigentes da editora para que a banda lançasse o novo disco a tempo, de modo a garantir o mais rapidamente possível os recursos monetários dispendidos para a confecção do mesmo. Perante estas pressões e na insatisfação geral com o quarto trabalho desenvolvido com Lillywhite, as novas canções escritas por Matthews e Ballard serviram de bóia de salvação temporária… tal como Sefan referiu numa entrevista: “após aquele tempo tumultuoso estávamos abertos a tudo”.
Para alguns “Everyday” é visto como um acidente de percurso, enquanto que para outros é visto como um trabalho “não mau” mas sim “diferente”. Actualmente (2009) o legado deste trabalho quase que não se sente, já que as faixas deste disco são as menos tocadas ao vivo.
Curiosidades:
Inicialmente, o terceiro single seria "When the World Ends" , porém após os ataques de 11 de Setembro 2001 este foi substituído por “Everyday”.
A música "#36" foi originalmente escrita com o objectivo de homenagiar Chris Hani, activista que foi assassinado por lutar contra o Apartheid. Nos concertos a faixa “Everyday” é precedida pela interpolação do público a cantar “Hani Hani, come and dance with me”, muitas vezes com o “Hani” substituído por “Honey”.
“Everyday” e “Stand Up” são os únicos discos que não incluem a letra das músicas no artwork.
Este foi o único álbum cuja música e letra foi totalmente escrita por Matthews em colaboração com um produtor (Glen Ballard).
Singles:
1. "I Did It"
Editado: 2001
2. "The Space Between"
Editado: 2001
3. "Everyday"
Editado: 2001
Um mês após o lançamento de “Everyday” aconteceu algo que a banda não previu: o trabalho suspenso que tinha sido desenvolvido com a supervisão de Steve Lillywhite vazou na internet.
A esmagadora maioria dos fãs ficaram desapontados pelo facto deste trabalho ter sido arquivado em prol de “Everyday”, qualificando as músicas inacabadas como superiores às faixas incluídas no disco produzido por Ballard.
Alguns meses depois a banda regressou ao estúdio para regravar estas faixas - cujo produto final foi “Busted Stuff” - quinto álbum oficial do grupo com a produção a cargo de Stephen Harris.
“Busted Stuff was a great album, but once again it was eclipsed by something that the fans really liked which was the leaked Lillywhite Sessions”
» Dave Matthews (The Road To Big Whisky - FUSE)
CONTINUA NA PARTE 6
“The vibe was not very good. Dave had to dig into his soul... and what was coming out was pretty interesting"
»Steve Lillywhite
Descontentes com as novas canções produzidas por Steve Lillywhite, a banda arquivou este material em prol de um novo projecto com a colaboração de Glen Ballard. O resultado foi “Everyday”- um conjunto de doze canções escritas por Matthews e Ballard em dez dias.
In the end, the way to get out of that was to move away from the whole thing... including Lillywhite (…) Apart from moving on, after six mouths I was open to everything"
»Stefan Lessard
EVERYDAY
Editado: 27 Fevereiro 2001
Tempo total: 51:00
Editora: RCA
Produtor: Glen Ballard
Faixas:
1. "I Did It" – 3:36
2. "When The World Ends" – 3:32
3. "The Space Between" – 4:03
4. "Dreams Of Our Fathers " – 4:41
5. "So Right" – 4:41
6. "If I Had It All" – 4:03
7. "What You Are" – 4:33
8. "Angel" – 3:58
9. "Fool To Think" – 4:14
10. "Sleep To Dream Her" – 4:25
11. "Mother Father" – 4:24
12. "Everyday" – 4:43
Gravado em: Conway Studios, Los Angeles, CA (Novembro 2000)
Basta ouvirmos os primeiros cinco segundos da primeira faixa para percebermos que estamos perante um novo mundo – estamos perante um corte radical com o passado. Foi com esta sonoridade que Dave Matthews Band inaugurou o novo milénio que coincidiu com o inicio de uma longa época de self-discovery e de experiências musicais que só terminou (segundo Matthews) em 2009 com o lançamento de “Big Whisky And The Groogrux King”. Porque é que este disco é tão diferente dos primeiros três? A lista de respostas possíveis é enorme: desde o artwork do disco; passando pelo renovado elenco de produção e edição; sem esquecer as letras e o próprio formato das canções… tudo cheira a novo naquele que é visto por alguns fãs como o trabalho que fugiu à “evolução natural” da banda. Durante esta análise tentaremos analisar todas estas questões bem como problematizar uma série de conceitos adoptados por alguns críticos e fãs para catalogar este disco.
Ao eclodir das primeiras notas de “I Did it” reconhecemos uma nova paisagem sonora: agora a guitarra eléctrica é a grande protagonista e catalisadora harmónica da escrita da banda. Todos sabemos que nos três primeiros trabalhos Matthews fez-se acompanhar da guitarra acústica, recorrendo ao seu amigo Tim Reynolds para desenvolver alguns preenchimentos harmónicos na guitarra eléctrica. Ao contrário do que é referido por muitos fãs, o uso da guitarra eléctrica não foi uma estreia de “Everyday”, já que em outras faixas como “Drive In Drive Out” ou “Cry Freedom” encontramos um acompanhamento harmónico destacado por este instrumento. A grande diferença é que na ausência de Tim Reynolds, os riffs de guitarra eléctrica (desta vez tocados por Matthews) apresentam-se muito mais agressivos que os de outros trabalhos, através do uso de efeitos de pedaleira e distorção.
“Go door to door
Spread the love you got
You got the love
You get what you want
Does it matter where you get it from?
I for one
Don’t turn my cheek for anyone
Unturn your cheek to give your love
Love to grow”
Em termos temáticos encontramos uma série de letras triviais que contrastam com os simbolismos presentes nos trabalhos anteriores. A fórmula constituída por um refrão repetitivo com a frase “I Did It” não é porém um marco novo, basta voltarmos a “Drive In Drive Out” - a faixa cuja letra é a mais fraca de “Crash”. Estes refrões repetitivos atingem o seu paradigma no álbum “Stand Up” (A desenvolver na parte 7).
Em termos musicais nota-se a ausência do violino nesta faixa, o que não quer dizer que Tinsley esteja ausente, bem pelo contrário: o violinista deixa temporariamente o seu instrumento para cantar uma pequena secção do verso em rap. Este novo elemento apanhou de surpresa os fãs da banda, porém nem tudo nesta nova sonoridade é diferente: o riff inicial prolonga-se até ao verso, servindo de acompanhamento base para letra cantada por Dave. Esta é a prova de que apesar de soar diferente, algumas das características basilares de DMB continuam a segurar os pilares estruturais de algumas faixas deste disco.
Quando foi lançado como primeiro single, “I Did It” obteve uma recepção negativa, já que a grande maioria dos fãs não reconheceu a banda no seu novo fato sonoro. Alguns apelidaram esta nova sonoridade de “comercial”… conceito muito problemático e que merece ser discutido. A priori toda a música lançada através de uma editora é comercial, seja ela de que estilo ou género for. A indústria musical – composta por uma série de editoras (que são empresas) – necessita de lucros. Logo não podemos esquecer que toda a música editada tem o objectivo de ser comercial, inclusive a música erudita. Há quem defenda que música comercial contém determinadas características que prevê elevados números de vendas, associando este estilo a nomes como Britney Spears, Madonna ou Backstreet Boys. Se considerarmos que a música de Dave Matthews não obedece a estes parâmetros, percebemos o quão falível é esta observação ao percepcionarmos que o álbum “Crash” de DMB vendeu mais cópias que “American Life” de Madonna. Em suma, estamos a lidar com os valores e gostos pessoais que são muito diferentes de sujeito para sujeito… o conceito de “comercial” ou “mais comercial” apresenta-se assim erógeno, já que no limite toda a música editada é comercial.
Avancemos para o segundo single deste disco: "The Space Between". A balada por excelência deste trabalho apresenta-se com um formato familiar: um verso com características obscuras que contrasta momentaneamente com um refrão luminoso e cantabile. Nesta faixa apercebemo-nos ainda com mais facilidade de que estamos perante um trabalho de produção muito diferente da exercida nos primeiros registos da banda, através de uma orquestração e produção de Blen Ballard que inclui um elevado número de preenchimentos e efeitos de sintetizador. Em algumas faixas estes preenchimentos ocupam um espaço tão dominante que netralizam o papel de Leroi e Tinsley, músicos que vêm drasticamente reduzidas as suas aparições neste disco. Leroi ainda tem hipótese de tocar algumas notas no final desta faixa, ao contrário de Tinsley cujo violino ainda mal se ouviu. Em termos temáticos esta faixa não é tão banal quanto parece, sendo provavelmente uma das letras mais interessantes deste conjunto de canções:
“Were strange allies
With warring hearts
What a wild-eyed beast you be
The space between, the wicked lies we tell
And hope to keep us safe from the pain”
Mais uma vez Matthews lida com a desconfiança e desconstrói uma visão harmoniosa e funcional do amor, apresentando de forma simbólica alguns dos problemas existentes numa relação amorosa. Carter passa despercebido nesta faixa, também porque a mesma não deixa muito espaço para as acrobacias rítmicas com que o baterista nos habitou em registos anteriores. Na esmagadora maioria das faixas Carter limita-se a manter o ritmo, provando que o baterista foi um dos maiores prejudicados desta nova roupagem musical.
Outra balada deste disco é “Angel”, uma das faixas mais estranhas que contrasta com ID “natural” da banda. Apesar de se iniciar com uma interessante intervenção de guitarra eléctrica, esta transforma-se naquele que é frequentemente tido como um dos momentos mais infelizes da banda. Porque é que muitos fãs não gostam desta faixa? Antes de mais não encontramos quase nenhuma intervenção do violino enquanto o saxofone surge despercebido. Por outro lado a letra é muito fraca e trivial, apresentando-se muito longe da complexidade lírica e holística presente nos trabalhos anteriores. Há que salientar que a linha melódica vocal do refrão não é de todo característica de Dave Matthews:
“Why do I beg like a child for your candy?
Why do I come after you like I do, I love you?
Wherever you are
I swear
Youll be my angel
You”
Já discutimos anteriormente (nomeadamente durante a análise de “Crash Into me”) o recorrente jogo de palavras característico da escrita de Matthews, principalmente nas múltiplas associações inerentes ao verbo “to come” que parece estar (mais uma vez) associado ao momento hegemónico de um acto sexual sob a forma de orgasmo. A referência ao “your candy” pode também sugerir uma imagem intrinsecamente sexual.
Segundo os autores (Matthews e Ballard), estas doze faixas foram escritas no espaço de dez dias. Este limitado tempo de composição entra em dicotomia com o despendido para grande maioria das faixas anteriormente editadas pela banda. Como vimos anteriormente, essas faixas já existiam anos antes de se iniciar o processo de gravação, factor que contribuiu para a maturação do material musical antes deste ser fixado em cd. Ballard é conhecido pelo seu imediatismo animal, capaz de produzir uma série de hits em tempo recorde. Uma das suas mais conhecidas produções foi “Jagged Little Pill” de Alanis Morissette, disco que incluí o sucesso “Ironic” cuja letra e música foi escrita em menos de uma hora. Se tivermos em conta que um processo semelhante foi accionado para a produção deste “Everyday”, temos de admitir que algumas das faixas estão realmente interessantes, como os casos de “So Right” ou “What You Are”.
Apesar da faixa “So Right” se iniciar com um riff pouco característico da banda, podemos constatar que na sua globalidade esta é uma das canções mais equilibradas que encontramos neste disco. É interessante salientar a recuperação do som do saxofone baixo, que se apresenta como parte integrante da textura musical deste riff. O que torna esta faixa "mais característica" da banda é facto de encontrarmos pequenos apontamentos de todos elementos do grupo, mesmo que estes sirvam apenas de fundo enquanto Matthews canta. É também nesta faixa que encontramos um dos únicos solos de saxofone presentes neste disco, apesar deste ser muito pequeno (dura apenas 15 segundos).
A notável diminuição de secções instrumentais neste trabalho acontece devido ao facto da banda não ter participado no processo de composição. Segundo Boyd Tinsley as faixas foram apresentadas aos restantes quatro elementos e estes limitaram-se a tocar e preencher a textura musical com algumas interjeições. “Dream Of Our Fathers” faz parte do grupo de faixas cuja falta de espaço para secções instrumentais é mais notória. Desde o inicio até praticamente ao fim não encontramos um único segundo de música instrumental, já que a voz de Dave nunca está ausente da textura musical. Esta faixa entra em dicotomia quase geral com tudo o que a banda fez, onde se nota a ausência total do saxofone e violino, substituídos por efeitos de produção e sintetizador. Estes factores combinados são mais que suficientes para justificar o facto de esta música nunca ter sido tocada ao vivo, fazendo desta uma autêntica raridade que nunca conheceu uma versão ao vivo.
Uma das temáticas dominantes na cultura pop do final do século XX/inícios do século XXI prende-se ao famoso bug do ano 2000 e à alusão ao fim do mundo, muitas vezes elucidada em letras de canções (“Until the End Of The World” e “Last Night On Earth” de U2 ou “Will 2 k” de Will Smith ), filmes (“Armaggeddon”, “Indeppendence Day”, “Terminator: Judgement Day”) e até mesmo em séries televisivas como exemplo de “O fim do mundo”, uma produção da Globo Brasil. Dave Matthews Band não ficou indiferente a esta questão ao editar “When The World Ends”:
“Oh, when the world ends
Well be burning one
When the world ends
Well be sweet makin love
Oh, you know when the world ends
Im going to take you aside and say
Lets watch it fade away, fade away
And the worlds done
Ours just begun
Its done
Ours just begun”
Dave apresenta uma versão sexualmente explícita do fim do mundo ao exercer uma comparação entre a força de um acto sexual e a destruição furiosa dos prédios. O erotismo desta faixa é diferente do presente em “Crash Into Me”: enquanto que em “Crash” a letra não é tão explicita, surgindo disfarçada pelo tom doce e intimista da voz de Matthews; em “When The World Ends” a explosão sexual é notória através de descrições que sugerem imagens sexuais, cantadas de forma bem mais agressiva e maliciosa. Em termos musicais esta é a única faixa onde Tinsley tem algum destaque através do seu papel dominante no riff principal da música… apesar de este estar enredado de efeitos de produção. No fim desta canção encontramos uma situação interessante: a música é abruptamente interrompida a meio de uma frase… um corte sonoro que podemos interpretar como a representação do fim do mundo.
Em seguida gostava de tecer algumas considerações no que diz respeito ao artwork deste trabalho. Antes de mais há que salientar que este foi o primeiro disco cuja capa inclui uma foto da banda, findando o costume de adicionar uma imagem cujo conteúdo se identifique directa ou indirectamente com o título do disco. Numa época em que a imagem (aparência) ganha cada vez mais importância e que o consumidor sente necessidade associar uma cara à música, a máquina de produção garantiu que os novos fãs atraídos por esta nova sonoridade conhecessem os artistas. Esta visão ganha ainda mais força devido à inclusão no booklet de uma foto para cada membro do grupo, devidamente identificada com o nome do músico e instrumento que toca. Ainda no artwork há que salientar a notória ausência das letras, facto que se repete apenas em “Stand Up” (curiosamente estes são os dois álbuns cujas letras são frequentemente tidas como as mais fracas, fazendo com que a ausência das letras possa ou não constituir um acaso).
“Fool To Think”é outro exemplo de uma letra fraca que gira em torno de uma temática amorosa trivial que inclui um refrão repetitivo (tal como vimos anteriormente em “I did it”). Em termos musicais encontramos uma interessante interpretação de Carter num raro momento de inspiração rítmica através de contratempos numa base rítmica ternária simples (pouco comum no catálogo da banda), naquele que talvez é dos únicos momentos em que reconhecemos o baterista deste disco.
Tal como a letra de “Fool To think”, a grande maioria das temáticas de “Everyday” entram em contradição directa com aquela que é vista por muitos fãs como a “santíssima trindade” de DMB, constituída pelos três primeiros discos. Assistimos desde modo ao camuflar de uma crise existencial e artística que a banda atravessava na época cujo coração temático se encontrava nas arquivadas sessões com o produtor Lillywhite. Apesar de notarmos este camuflar na grande maioria das faixas do disco “Everyday”, ao percepcionamos as letras de “What you Are” e “If I Had it All” podemos constatar alguns resíduos da eminente crise:
“Remembering times much younger than me now
When my breath was light
When the world raised me up kind
And here mother comforts child
Every moment was waking up
But now I’ve grown tired... out
If I had it all, you know
I’d fuck it up”
“If I Had It All” apresenta um sujeito poético nostálgico com o passado e insatisfeito com o presente. Esta temática que já estava presente em “The Dreaming Tree”, apresenta-se aqui com uma linguagem directa e bem menos simbólica que lírica presente na faixa que nomeou o disco “Before These Crowded Streets”. Em termos musicais não existem novos elementos a adicionar a não ser o facto de encontrarmos acompanhamento dominante de sintetizador enquanto Leroi e Tinsley passam despercebidos no meio da textura musical.
A faixa seguinte “What You Are” constitui um dos momentos mais coesos deste disco, através de uma sonoridade que se apresenta com características que conhecemos de outros trabalhos: Em primeiro lugar há que salientar que Leroi e Tinsley conseguem algum destaque através de alguns apontamentos de fundo enquanto Dave canta a letra. Depois reencontramos uma sugestão a ambientes orientais (principalmente na introdução). No contexto de concertos ao vivo esta música ganhou uma maior proporção, fazendo desta uma das únicas faixas deste disco cuja interpretação ao vivo foi bem recebida pelos fãs (situação que se repete apenas com a faixa que dá nome ao disco - “Everyday”). A forma como Matthews canta entra em consonância com a vocalidade anteriormente exercida em “The Last Stop” (mais comedida porém), projectando musicalmente a inquietude presente na letra:
“I walk into this room
Oh, all eyes on me now
But I do not know the people inside
They look straight through me, these eyes
Seeking more wisdom than I have to give away
Realize, realize what you are...”
Esta faixa pode sugerir o desconforto de Matthews perante a fama, razão pela qual o artista não consegue muitos momentos discretos. Por outro lado podemos interpretar as frases “What youve become, Just as I have, Are you and I so unalike?” como uma crítica (in)directa aos dirigentes da sua editora que pressionava o artista a escrever novos sucessos. Claro que estas não passam de hipotéticas interpretações de uma letra que só por si pode desencadear um elevado número de diferentes pontos de vista.
A faixa “Mother Father” resulta da segunda colaboração entre a Dave Matthews Band e Carlos Santana. A primeira colaboração surgiu em 1999, inserida no projecto que visava assinalar os trinta anos de carreira do guitarrista mexicano. O resultado foi “Supernatural”, disco desenvolvido sob o formato de duetos que se tornou o mais vendido do guitarrista, inclui “Smooth” com Rob Thomas, “Maria Maria” com Whyclef Jean, “Corazón Espinado” com Maná e “Love Of My Life” com Dave Matthews e Carter Beauful.
Uma nova colaboração com Santana surge em “Mother Father”, faixa que inclui algum sabor latino enunciado na sua introdução quer pela intervenção da guitarra com toque latino quer pelo uso da percussão tocada por Karl Perrazo, percussionista de Santana. O estilo guitarristico de Carlos Santana é pessoal, conhecido por conseguir passar emoções através da sua peculiar forma de tocar: diz-se que consegue pôr uma guitarra a chorar ou cantar, criando uma série de diálogos entre o cantor e a guitarra, que prevê um aumentando gradual da tensão até ao desencadear geral de emoções. Estas características estão implícitas em ambas colaborações de Matthews com Santana, porém, há que admitir que a faixa “Love Of My Life” mostra-se superior à “Mother Father”. Qual o problema central desta segunda faixa? Em primeiro lugar não encontramos qualquer interjeição de Tinsley ou Leroi, uma dupla ausência que não passa despercebida. Esta situação faz com que percamos momentaneamente a noção de que estamos a ouvir um disco de Dave Matthews Band, com a certeza de que esta faixa encaixar-se-ia melhor no álbum a solo de Mathews. Em segundo lugar é impossível deixar de reparar na fraca letra desta canção, cuja base assenta na frase “Mother Father please explain to me” repetida até à exaustão (ao todo 13 vezes), mesmo quando a melodia muda. Porém nem tudo são críticas negativas: há que salientar as interessantes mudanças de compasso (de quaternário simples para quaternário composto), bem como o uso de técnicas de rasgueado - técnica de guitarra acústica/flamenca frequentemente associada ao ambiente latino.
Como já tivemos oportunidade de percepcionar, a estrutura da grande maioria das faixas deste disco obedecem ao formato canção evidenciado através do alternar de secções de verso-refrão, à semelhança do que encontramos na grande maioria da música pop. À primeira audição tudo indica que “Sleep To Dream Her” será a excepção à regra, porém, se a observarmos com atenção constatamos que o formato é essencialmente o mesmo. Não existem dúvidas no que diz respeito ao verso – tudo o que Dave canta tem carácter de verso, desenvolvido através de uma melodia vocal muito repetitiva. Assim sendo, o refrão será a secção em que Leroi executa um solo de saxofone estereotipado, com uma linha melódica bem definida. Tendo em conta que ambas secções alternam entre si, podemos concluir que o formato continua presente… a diferença é que o refrão não tem como solista a voz de Matthews mas sim o saxofone de Leroi.
A derradeira faixa deste disco é o título homónimo deste grupo de canções – “Everyday”. Esta é única música em que o acompanhamento dominante é da guitarra acústica, contrariando a tendência absolutista que a guitarra eléctrica obteve no decorrer deste trabalho. A harmonia tendencialmente simples já tinha sido apresentada ao vivo em “#36”, canção que tinha sido editada no disco ao vivo “Listener Supported” que contou com a participação especial das “Lovely ladies”. O esquema harmónico de “#36” é assim transposto para “Everyday”, cuja letra quase infantil lida com questões humanitárias como o amor ao próximo, incluindo até uma alusão directa ao “All You Need Is Love” - faixa popularizada pelos Beatles em 1967:
“All you need is love
Everyday
Everyday
Oh, everyday...
Pick me up, love, from the bottom
Up onto the top, love, everyday
Pay no mind to taunts or advances
I’m gonna take my chances on everyday”
Apesar da sua temática inócua (no sentido de não chegar à complexidade de "Cry Freedom" cuja temática era semelhante), “Everyday” é uma das faixas mais queridas dos fãs no contexto de concerto ao vivo, a julgar pela recepção do público e na sua participação activa a cantar “Hani Hani, come and dance with me”, recuperando assim parte da letra de #36 que homenagia Chris Hani, activista assassinado que lutou contra o Apartheid na África do Sul. Em termos musicais não existem grandes factores a assinalar, a não ser a presença de Vusi Mahlasela no inicio da música, artista sul-africano que também lutou contra a discriminação racial exercida pelo antigo regime sul-africano. Mais uma vez Leroi e Tinsley passam despercebidos perante uma textura musical apertada, sendo as suas aparições restringidas ao complemento harmónico executado através de notas pedais (longas).
Podemos referir que no seu todo este é o disco mais homogéneo em termos sonoros, porém quando o comparamos com o restante catálogo da banda percebemos que este é o trabalho mais heterogéneo, de tal forma que será mais fácil encontrar dicotomias do que parecenças. A noção de banda desvanece-se, pelo menos do modo como estávamos habituados a concebê-la: “Everyday” parece muito mais um disco de Matthews a solo com a participação esporádica e especial de Tinsley e Leroi. As contribuições de Carter são simples e impessoais, desprovidas das características idiomáticas que caracterizam o estilo do baterista. Longe vão os tempos em que Stefan tinha conseguido proezas tão emblemáticas como a introdução de “Crush” ou o acompanhamento de baixo em “The Dreaming Tree”. O tempo geral das músicas deste trabalho é muito inferior ao de registos anteriores: a faixa mais curta do disco anterior (“Stay” – 5:07) consegue ser maior que a faixa mais longa deste disco (“Everyday” – 4:43). Esta disparidade deve-se à falta de secções instrumentais e intervenções dos instrumentos solistas, que neste disco vêm-se sufocados pela falta de espaço para brilharem ou porque foram simplesmente substituídos por interjeições de sintetizador.
Se esta sonoridade prejudica de forma directa o papel de todos os elementos da banda, porque é que a mesma aceitou publicar estas músicas? Existem muitos mecanismos problemáticos que surgem no contexto da indústria discográfica: o próprio Matthews referiu em algumas entrevistas as recorrentes pressões dos dirigentes da editora para que a banda lançasse o novo disco a tempo, de modo a garantir o mais rapidamente possível os recursos monetários dispendidos para a confecção do mesmo. Perante estas pressões e na insatisfação geral com o quarto trabalho desenvolvido com Lillywhite, as novas canções escritas por Matthews e Ballard serviram de bóia de salvação temporária… tal como Sefan referiu numa entrevista: “após aquele tempo tumultuoso estávamos abertos a tudo”.
Para alguns “Everyday” é visto como um acidente de percurso, enquanto que para outros é visto como um trabalho “não mau” mas sim “diferente”. Actualmente (2009) o legado deste trabalho quase que não se sente, já que as faixas deste disco são as menos tocadas ao vivo.
Curiosidades:
Inicialmente, o terceiro single seria "When the World Ends" , porém após os ataques de 11 de Setembro 2001 este foi substituído por “Everyday”.
A música "#36" foi originalmente escrita com o objectivo de homenagiar Chris Hani, activista que foi assassinado por lutar contra o Apartheid. Nos concertos a faixa “Everyday” é precedida pela interpolação do público a cantar “Hani Hani, come and dance with me”, muitas vezes com o “Hani” substituído por “Honey”.
“Everyday” e “Stand Up” são os únicos discos que não incluem a letra das músicas no artwork.
Este foi o único álbum cuja música e letra foi totalmente escrita por Matthews em colaboração com um produtor (Glen Ballard).
Singles:
1. "I Did It"
Editado: 2001
2. "The Space Between"
Editado: 2001
3. "Everyday"
Editado: 2001
Um mês após o lançamento de “Everyday” aconteceu algo que a banda não previu: o trabalho suspenso que tinha sido desenvolvido com a supervisão de Steve Lillywhite vazou na internet.
A esmagadora maioria dos fãs ficaram desapontados pelo facto deste trabalho ter sido arquivado em prol de “Everyday”, qualificando as músicas inacabadas como superiores às faixas incluídas no disco produzido por Ballard.
Alguns meses depois a banda regressou ao estúdio para regravar estas faixas - cujo produto final foi “Busted Stuff” - quinto álbum oficial do grupo com a produção a cargo de Stephen Harris.
“Busted Stuff was a great album, but once again it was eclipsed by something that the fans really liked which was the leaked Lillywhite Sessions”
» Dave Matthews (The Road To Big Whisky - FUSE)
CONTINUA NA PARTE 6