Post by marcofreitas86 on Aug 6, 2009 20:02:38 GMT 1
Porque é que gostamos da música de Dave Matthews Band? Porque preferimos esta a outras bandas? Em busca de respostas decidi iniciar uma viagem pela carreira do grupo e fazer esta discografia comentada em 8 partes (uma para cada álbum da banda) de modo a poder chegar a conclusões no fim desta viagem. Em seguida avancemos para a terceira parte:
Estávamos em 1996 quando se deu uma colisão nas lojas de discos. A razão era óbvia: tinha acabado de chegar o segundo disco de Dave Matthews Band.
CRASH
Editado: 30 Abril de 1996
Tempo total: 68:51
Editora: RCA
Produtor: Steve Lillywhite
Faixas:
1. "So Much to Say" – 4:06
2. "Two Step" – 6:27
3. "Crash into Me" – 5:16
4. "Too Much" – 4:22
5. "#41" – 6:39
6. "Say Goodbye" – 6:12
7. "Drive In, Drive Out" – 5:55
8. "Let You Down" – 4:07
9. "Lie in Our Graves" – 5:42
10. "Cry Freedom" – 5:54
11. "Tripping Billies" – 5:00
12. "Proudest Monkey" – 9:11
Gravado em: Bearsville Studios, Woodstock, New York (Outubro de 1995-Janeiro 2006)
Quando foi convidado para produzir o segundo disco de Dave Matthews Band, Steve Lillywhite decidiu que algumas mudanças deveriam ser operadas: «We went to the same studio for a second time and I knew we needed to change things» (Fuse documentaries). Que tipo de mudanças é que estamos a falar? Quais as diferenças fundamentais entre “Under The Table And Dreaming” e “Crash”?
Entre as duas datas que separam o lançamento de ambos álbuns, a banda actuou em 250 eventos por toda a América e alguns países europeus (http://dmbalmanac.com). Após este elevado número de concertos seria natural que o grupo fruísse de um conhecimento aprofundado no que diz respeito ao gosto musical do público-alvo. Na realidade a produção de “Under The Table And Dreaming” apontava para vários públicos diferentes, numa tentativa de almejar a mobilização de um maior número de taste groups. Apesar da esmagadora maioria das faixas terem sido escritas antes de 1994, a produção presente no disco “Crash” mostrou-se diferente do disco de estreia. Ao longo desta análise continuaremos a exercer algumas comparações entre “Under The Table And Dreaming” e “Crash”. Para já avencemos para a análise da primeira faixa:
“So much To Say” inicia este disco com a já referida fórmula composicional mais frequente em DMB - o uso de um riff inicial que se prolonga até ao verso. Analisemo-lo:
RIFF Parte 1 (repete 4 vezes na introdução)
E:------5-----------------
B:------5-----------------
G:------5---4/6-----------
D:---------------7--------
A:------------------------
E:-3/5--------------0-8\--
RIFF Parte 2 incluída no verso
E:------5-------------------------------
B:------5-------------------------------
G:------5---4/6-------------10----------
D:---------------7------5---7--------7--
A:--------------------3-----x------5----
E:-3/5--------------1------/10---3------
Este riff divide-se em duas partes específicas: uma primeira que surge apenas na introdução; e uma segunda que complementa a primeira no decorrer do verso. Apesar de não existirem grandes dúvidas no que diz respeito à tonalidade geral (Lá menor), é complicado encontrar uma harmonia funcional bem definida, já que o riff é composto essencialmente por glissandos (a esta problemática acrescenta-se a ausência do acorde de Dominante - V grau, que neste caso seria Mi Maior). Esta ambiguidade no que diz respeito às funções harmónicas é uma das características basilares para caracterizar o que alguns chamam de estilo guitarristico à la Dave Matthews (a desenvolver posteriormente).
No refrão encontramos um elemento novo à sonoridade de Dave Matthews Band: Leroi “rouba” a função de baixista de Lessard ao tocar saxofone baixo. O objectivo é, segundo o produtor Lillywhite, «dar uma sonoridade mais “musculada” à banda». Teríamos de perguntar ao Lillywhite qual o significado de “musculada” mas depreendo que o objectivo fosse o de preencher a textura musical com novos elementos.
Queria também chamar atenção para o tratamento vocal deste disco, que a meu ver é um dos mais complexos que encontramos em DMB:
A imagem mostra-nos o motivo final cantado por Dave Matthews em “So Much to say” que mistura partes em falsete (assinaladas com o quadrado vermelho) com partes em voz “natural”. Há que salientar que a passagem rápida entre ambos registos (falsete e voz “natural”) exige uma técnica vocal apurada. Outro exemplo em que isto acontece com muita frequência é na faixa #41 (a analisar posteriormente).
“Two Step” é provavelmente uma das músicas mais heterogéneas que Dave Matthews Band alguma vez concebeu. Porque é que esta faixa soa tão diferente das restantes? A resposta não é fácil, porém, acredito que a razão basilar reside no ritmo. Os acordes iniciais executados pelas guitarras e violino estão em contratempo (ou seja são tocados no tempo fraco e não no tempo forte). Este contratempo é reforçado com a entrada da percussão de Carter, continuando deste modo até o refrão “celebrate we will…”, momento em que a bateria estabiliza temporariamente no tempo forte. Por outro lado, outra razão que contribui para a heterogeneidade desta faixa reside no contraste existente entre a rápida pulsação (ritmo rápido) e as notas longas da voz. Este desfasamento rítmico entre materiais musicais atinge o seu paradigma em faixas como “The Dreaming Tree” (a analisar na parte 4).
A produção patente em “Crash” é um dos factores que o diferenciam do primeiro disco: Enquanto em “Under The Table And Dreaming” o processo de overdub das guitarras incluía a duplicação em quatro partes iguais, em “Crash” o overdub inclui várias partes diferentes sobrepostas. Segundo o livro oficial “Crash - Play It Like It Is” a faixa “Two Step” conta com a presença de sete diferentes tablaturas para guitarra (entre elas o uso cada vez mais dominante da guitarra eléctrica tocada por Tim Reynolds).
Chegou o momento de falarmos de uma das temáticas dominantes neste disco:
Lembram-se da temática do primeiro álbum - a tal necessidade de aproveitar cada momento da vida e a tal ideologia unificadora da humanidade? Esta ideia continua neste disco porém deixa a escala universal para se aperfeiçoar no foro pessoal – ou seja, uma das questões mais implícitas deste disco pode ser resumida a uma única palavra: SEXO.
A letra de “Too Much” é um dos exemplos que aponta para esta temática, através de uma alusão indirecta à prática de sexo oral dentro de um carro, num contexto de trânsito rodoviário:
Por outro lado, quando Dave canta "in between the lines", a referência sexual pode ser simbolicamente transportada para o consumo de drogas. Na parte anterior já falamos no simbolismo e ambiguidade presente nas letras de Matthews, cujo exemplo paradigmático pode ser encontrado na letra de "Too Much". Apesar de tanta incerteza, não existem dúvidas que a temática desta faixa sobrepõe e desenvolve uma série de obsessões, vícios e excessos.
Em termos musicais encontramos nesta faixa um dos tais rótulos frequentemente atribuídos à banda: Funk. Aliás, este rótulo também encaixa em “So Much to Say”, o que explica a frequente junção de ambas faixas no contexto de concerto ao vivo. Quais são os elementos que caracterizam esta sonoridade? Mais uma vez a palavra de ordem é o ritmo, através do gradual uso de partes em mute na guitarra (técnica de alternar som e silencio conforme o ritmo desejado, através do abafar ligeiro das cordas – exemplo: www.youtube.com/watch?v=8rJqVvSyulQ ) – esta é outra das características basilares do toque guitarristico de Dave Matthews. Na quarta parte desde conjunto de bibliografias comentadas voltaremos a esta questão, quando analisarmos as faixas “Rapunzel” ou “Stay (Wasting Time)”. Ainda nesta faixa percepcionamos o exemplo de um perfeito trabalho de grupo, confirmado através de preenchimentos harmónicos bem como solos bem expostos por parte do violinista e saxofonista da banda. As interjeições destes instrumentos solistas surgem como resposta ao que Dave canta, muitas vezes através da repetição do contorno melódico do que executa a voz (esta técnica é frequentemente designada de contra canto). Esta “igualdade de circunstâncias” não estava tão patente no primeiro registo da banda, talvez devido à necessidade de evitar um maior número de passagens instrumentais de modo a manter o disco o mais “rádio edit” possivel.
Continuando por esta viagem pelo foro privado/sexual deste disco, encontramos “Crash Into Me”. Lançada como quarto single, esta faixa é conhecida pela sua letra tendencialmente erótica, que segundo Dave Mathews foi escrita “para a mulher da minha vida, com quem acabei por me casar”. Algumas das palavras escolhidas por David podem dar azo a diferentes interpretações como o exemplo do verbo “to come” que pode simbolizar por um lado uma movimentação/aproximação, por outro o culminar do acto sexual com um orgasmo. Este é um dos exemplos mais representativos da carga erótica presente em algumas das letras escritas por Dave Matthews:
Em termos musicais encontramos um material musical muito restrito… O que torna esta faixa especial é o facto de a guitarra executar um basso ostinato (baixo cíclico que se repete ao longo da canção) nos graus VI-IV-V-I, enquanto Dave canta de modo muito intimista, usando para esse propósito um elevado número de falsettos.
Outra música que tem como base um basso ostinato é a faixa que fecha o disco “Proudest Monkey”. Ao todo são nove minutos musicais construídos sobre a base harmónica de I-V-IV-I em Lá bemol Maior. Em termos temáticos voltamos ao símbolo do macaco, muito recorrente na carreira da banda em faixas como “What Would You Say”, “Big Eyed Fish”, “Shake Me Like A Monkey” ou “Why I am” (estas duas últimas serão analisadas na parte 8). Com esta letra Matthews enfatiza a viagem de um macaco até à civilização, fazendo uma alusão à colisão "crash" entre a calma vida na selva e a azáfama citadina:
Após a momentânea tomada de consciência do macaco, inicia-se mais uma secção instrumental que dura seis minutos cujo grande e único protagonista é Leroi no saxofone. Carter grava uma série de sons emitidos de vários instrumentos de percussão, no que à primeira audição parece ser uma tentativa de recriar alguns sons comummente associados à selva. A faixa #41 inclui outro momento basilar para a fermentação deste tipo de secções instrumentais.
#41 foi originalmente escrita como resposta a um processo judicial provocado pelo antigo manager da banda Ross Hoffman (que visava obter direitos sobre as músicas escritas pelo grupo do inicio da década). A letra da música expressa a tristeza de Matthews enquanto experienciava as disputas legais com um dos seus mentores:
Esta faixa inclui uma das prestações vocais mais memoráveis de Dave Matthews, apresentando-se num âmbito vocal alargado de 14 tons – de Mi3 ao Dó5. Há que lembrar que a tessitura vocal de um barítono (equivalente à de Dave Matthews) raramente atinge as notas apresentadas, principalmente as agudas.
A segunda metade da canção é preenchida apenas com solos dos elementos do grupo: primeiro com Boyd no violino, posteriormente com Leroi a tocar flauta transversal e saxofone alto (em alguns momentos ouvem-se simultaneamente ambos instrumentos de sopro em overdub). Esta autêntica JAM prolonga-se até ao solo de Carter no inicio da faixa seguinte “Say Goodbye”. Estes cinco minutos de música instrumental evidenciam uma notória mudança em relação ao trabalho antecessor. Em “Crash” a banda sabia exactamente para que público se dirigia e isso é notável através do transporte para a gravação das intermináveis JAMS presentes nos concertos. Por outro lado, se tivermos a noção que a esmagadora maioria das músicas já circulava nos concertos anos antes de serem gravadas, podemos sugerir que estas foram-se aprimorando ao longo do tempo.
Após o solo de Carter, Dave narra a história de dois amantes em “Say Goodbye”: ela é casada com outro e o sujeito poético está completamente embriagado pela sua beleza. A letra enfatiza uma possível noite romântica entre os dois para depois dizerem adeus e voltarem como amigos. Depois de tanto implorar por uma única noite de amor, o ambiente fica pesado e os agudos tomam conta da voz de Matthews, auxiliado por um autêntico orgasmo musical que pode simbolizar o ponto mais alto dessa mesma noite. Depois tudo fica muito calmo e num falsete gracioso Dave canta "And tomorrow we say goodbye" representando o momento em que os dois amantes se despedem depois de uma louca noite de amor.
O momento íntimo é subitamente interrompido pelo riff de “Drive In Drive Out”. Em termos líricos estamos perante a faixa menos interessante do disco, porém a nível musical encontramos mais uma prestação instrumental muito bem conseguida, especialmente nos últimos minutos da canção. No que diz respeito à produção nota-se um apurado trabalho de overdubbing nos diferentes canais (Left e Right), especialmente notória nas partes de guitarra.
Muito mais interessante é a faixa “Let You Down”, que logo à primeira audição se prevê intimista através da escolha instrumental: Dave volta à guitarra acústica e algures no meio da canção assobia (este é um momento singular na carreira da banda), Carter deixa temporariamente a bateria para dedicar algum tempo aos membranofones tocados com as mãos (nomeadamente congas e jembé). A escolha deste último instrumento cuja origem crê-se ser africana aponta para uma questão interessante: Até que ponto as influências africanas (nomeadamente sul africanas de onde é natural Matthews) estão presentes na obra de Dave Matthews Band? Acredito que a resposta resida mais uma vez no ritmo. A auxiliar esta questão será interessante referir que as influências de grande parte dos elementos da banda são importadas de nomes como Elvin Jones, Miles Davis até John Coltrane, personalidades afro-descendentes que se tornaram expoentes máximos do meio jazzistico norte-americano. Deste modo será normal encontrarmos resíduos destas influências na música da banda. Por outro lado a vivência pessoal de Dave Matthews em África do sul influenciou não só a sua composição musical como também lírica, a julgar pela temática presente em “Cry Freedom”.
Em 1988 Richard Attenborough dirige o filme “Cry Freedom”, cuja história verídica resume-se à amizade entre dois homens sul-africanos: o editor liberal “branco” Daniel Woods e o activista “negro” Stephen Biko. Após ter conhecimento dos horrores do Apartheid através das descrições de Biko, Woods descobre que o seu amigo foi silenciado pela polícia. Determinado a levar a verdade ao conhecimento de todo o mundo, Woods embarca numa perigosa aventura para escapar com a sua família para fora de África do Sul e divulgar a história de Biko.
Discurso de Stephen Biko (Danzel Washington) no filme “Cry Freedom”.
Dave Matthews viveu os seus primeiros dois anos da sua vida bem como parte da sua adolescência em África do Sul, país que estava sob a égide do regime político cuja ideologia expressava a superioridade dos brancos perante os restantes povos. Havia uma separação física entre ambos “mundos” de acordo com regras que os impediam os dominados de serem verdadeiros cidadãos. O regime durou 40 anos, desde 1948, tendo sido abolido apenas em 1990 por Frederik de Klerk.
Apesar de ter sido editada após a primeira eleição livre na África do Sul que aclamou Nelson Mandela (1994), a faixa “Cry Freedom” já circulava nas setlists dos primeiros concertos da banda em 1991. Em termos musicais não existem muitas questões novas a desenvolver, a não ser o facto de esta faixa incluir acompanhamento predominante de guitarra eléctrica (e não da já “velha” acústica), com alguns apontamentos de fundo do violino e saxofone. O momento paradigmático da já reincidente temática de igualdade e fraternidade entre seres humanos surge na sincera letra de “Cry Freedom”, que serve transversalmente para homenagiar todos os que morreram durante o regime, com especial destaque para Stephen Biko:
Este autêntico hino à fraternidade e à paz acaba em suspenso com a ambígua afirmação “The future is no place To place your better days”. Podemos ler esta frase segundo dois prismas: um primeiro que aponta para a necessidade de agir no presente sem esperar pelo futuro; por outro lado esta frase pode ser um indício de pessimismo e falta de confiança no futuro. Considerando a segunda hipótese, estamos perante os primeiros resíduos líricos que marcarão o ambiente sombrio e pessimista presente em álbuns posteriores como”Before This Crowded Streets” e “Busted Stuff”.
A temática “Carpe Diem” volta à ribalta em faixas como “Lie In Our Graves” e “Tripping Billies”. A primeira é especialmente interessante porque destrói por completo a noção de formato canção (no sentido em que não conseguimos discernir diferença entre um verso e refrão). Por outro lado é curioso percepcionar que dos quase seis minutos que duram a faixa, apenas dois incluem a voz de Dave… tudo o resto é construído à base de interjeições instrumentais. A diferença fundamental entre esta secção instrumental e a que ouvimos nas faixas “#41” e “Say Goodbye” prende-se no facto de que estas últimas incluem solos exibicionistas em formato JAM, ao contrário da secção instrumental de “Lie In Our Graves” que se mostra muito mais coesa e diplomática, com uma textura global que sugere a igual importância de todos os instrumentos tocados ao mesmo tempo.
Para além da já reincidente técnica de desenvolver a música a partir de uma introdução que se prolonga ao verso, encontramos nesta faixa mais um caso especifico de onomatopeia musical: quando Dave diz “Splish splash me and you taking a bath” Carter exectuta na caixa o que parece ser uma alusão à movimentação da água. Já encontramos esta característica em “What would You Say” (parte 2).
A faixa “Tripping Billies” é das criações mais antigas de Dave Matthews Band, tendo sido estreada em concerto ainda em 1991. Quando comparamos esta com a versão ao vivo contida em “Remember Two Things”, notamos que em termos globais a canção não sofreu grandes alterações líricas nem musicais. Em termos musicais encontramos uma equilibrada relação entre o saxofonista e o violinista, apesar do segundo ser o verdadeiro rei ao executar vários solos ao longo da faixa. A letra entra em consonância com a temática "Carpe Diem":
Tal como a própria capa do disco indica, “Crash” é uma colisão de ideias, de impressões, de imagens… é uma sobreposição de mundos temáticos devidamente unificados neste grupo de 12 faixas. Como já referi anteriormente, grande parte das músicas presentes neste disco foram criadas durante ou até mesmo antes da gravação do primeiro álbum do grupo (ver secção curiosidades). Estas canções foram evoluindo ao vivo, sob o olhar atento do público através de um verdadeiro work in progress.
Ao compararmos “Under The Table And Dreaming” e “Crash” é curioso notar que em ambos registos o produtor é o mesmo, os estúdios são os mesmos, em princípio os equipamentos de captação e gravação devem ter sido semelhantes, e as próprias canções presentes em ambos álbuns foram quase todas criadas na mesma época… Assim sendo, como explicar a diferença sonora de ambos discos? O aumento do tempo das faixas, a fuga ao formato canção, o elevado preenchimento da textura musical através de várias sobreposições em overdub (e em diferentes canais – Left e Right), o aumento das interjeições instrumentais… são o resultado de escolhas colectivas (da banda e produtor) enformadas pelo conhecimento do mercado que a atingir. Quando Lillywhite refere a necessidade de fazer “mudanças”, era porque sabia que o público a atingir era o mesmo que comprava os ingressos para os concertos, era o mesmo que aplaudia o que gostava e apupava o quando algo não agradava. Assim, o objectivo já não era fazer um disco abrangente mas sim focalizado nesse público, nesse mercado específico.
Curiosidades:
Em seguida apresento as datas em que as faixas deste disco foram apresentadas pela primeira vez ao vivo. Há que notar que a grande maioria das músicas já existiam muito antes de se iniciar o processo de gravação deste registo.
"So Much to Say" – Estreada em concerto em 1992.
"Two Step" – Estreada em concerto em 1992.
"Crash into Me" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"Too Much" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"#41" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"Say Goodbye" – Estreada na tournée de 1993. Inicialmente era conhecida como “Anynoise/Antinoise”.
"Drive In, Drive Out"– Estreada em 1992.
"Let You Down" – Estreada em 1994, esta faixa foi a menos tocada do disco. Não existem registos desta faixa desde 1997.
"Lie in Our Graves" – Estreada em concerto em 1992. Era também conhecida como “Peanuts”.
"Cry Freedom" – Foi tocada pela primeira vez em 1991.
"Tripping Billies" – Foi tocada pela primeira vez em 1991, e desde então não falhou uma única tournée.
"Proudest Monkey" – Estreada em 1994, inicialmente como tease, posteriormente evoluindo para a versão que ficou registada no álbum.
(fonte: dmbalmanac.com/)
Singles:
1. "Too Much"
Editado: 1996
2. "So Much to Say"
Editado: 1996
3. "Two Step"
Editado: 1996
4. "Crash into Me"
Editado: 1996
5. "Tripping Billies"
Editado: 1996
”Crash” superou o sucesso do disco antecessor, garantindo até hoje o recorde de álbum mais vendido da banda. Passaram-se dois anos e o grupo retorna aos estúdios para preparar o terceiro álbum “Before These Crowded Streets”:
We had to build all songs from "Before These Crowded Streets" from scratch, because we recorded all the stuff we had on "Under The Table..." and "Crash".
» Boyd Tinsley (The Road To Big Whisky - FUSE)
"Before These Crowded Streets” was a dark record. It was still sunny but the clowds were starting to appear in the scene.”
» Steve Lillywhite (The Road To Big Whisky - FUSE)
CONTINUA NA PARTE 4
Estávamos em 1996 quando se deu uma colisão nas lojas de discos. A razão era óbvia: tinha acabado de chegar o segundo disco de Dave Matthews Band.
CRASH
Editado: 30 Abril de 1996
Tempo total: 68:51
Editora: RCA
Produtor: Steve Lillywhite
Faixas:
1. "So Much to Say" – 4:06
2. "Two Step" – 6:27
3. "Crash into Me" – 5:16
4. "Too Much" – 4:22
5. "#41" – 6:39
6. "Say Goodbye" – 6:12
7. "Drive In, Drive Out" – 5:55
8. "Let You Down" – 4:07
9. "Lie in Our Graves" – 5:42
10. "Cry Freedom" – 5:54
11. "Tripping Billies" – 5:00
12. "Proudest Monkey" – 9:11
Gravado em: Bearsville Studios, Woodstock, New York (Outubro de 1995-Janeiro 2006)
Quando foi convidado para produzir o segundo disco de Dave Matthews Band, Steve Lillywhite decidiu que algumas mudanças deveriam ser operadas: «We went to the same studio for a second time and I knew we needed to change things» (Fuse documentaries). Que tipo de mudanças é que estamos a falar? Quais as diferenças fundamentais entre “Under The Table And Dreaming” e “Crash”?
Entre as duas datas que separam o lançamento de ambos álbuns, a banda actuou em 250 eventos por toda a América e alguns países europeus (http://dmbalmanac.com). Após este elevado número de concertos seria natural que o grupo fruísse de um conhecimento aprofundado no que diz respeito ao gosto musical do público-alvo. Na realidade a produção de “Under The Table And Dreaming” apontava para vários públicos diferentes, numa tentativa de almejar a mobilização de um maior número de taste groups. Apesar da esmagadora maioria das faixas terem sido escritas antes de 1994, a produção presente no disco “Crash” mostrou-se diferente do disco de estreia. Ao longo desta análise continuaremos a exercer algumas comparações entre “Under The Table And Dreaming” e “Crash”. Para já avencemos para a análise da primeira faixa:
“So much To Say” inicia este disco com a já referida fórmula composicional mais frequente em DMB - o uso de um riff inicial que se prolonga até ao verso. Analisemo-lo:
RIFF Parte 1 (repete 4 vezes na introdução)
E:------5-----------------
B:------5-----------------
G:------5---4/6-----------
D:---------------7--------
A:------------------------
E:-3/5--------------0-8\--
RIFF Parte 2 incluída no verso
E:------5-------------------------------
B:------5-------------------------------
G:------5---4/6-------------10----------
D:---------------7------5---7--------7--
A:--------------------3-----x------5----
E:-3/5--------------1------/10---3------
Este riff divide-se em duas partes específicas: uma primeira que surge apenas na introdução; e uma segunda que complementa a primeira no decorrer do verso. Apesar de não existirem grandes dúvidas no que diz respeito à tonalidade geral (Lá menor), é complicado encontrar uma harmonia funcional bem definida, já que o riff é composto essencialmente por glissandos (a esta problemática acrescenta-se a ausência do acorde de Dominante - V grau, que neste caso seria Mi Maior). Esta ambiguidade no que diz respeito às funções harmónicas é uma das características basilares para caracterizar o que alguns chamam de estilo guitarristico à la Dave Matthews (a desenvolver posteriormente).
No refrão encontramos um elemento novo à sonoridade de Dave Matthews Band: Leroi “rouba” a função de baixista de Lessard ao tocar saxofone baixo. O objectivo é, segundo o produtor Lillywhite, «dar uma sonoridade mais “musculada” à banda». Teríamos de perguntar ao Lillywhite qual o significado de “musculada” mas depreendo que o objectivo fosse o de preencher a textura musical com novos elementos.
Queria também chamar atenção para o tratamento vocal deste disco, que a meu ver é um dos mais complexos que encontramos em DMB:
A imagem mostra-nos o motivo final cantado por Dave Matthews em “So Much to say” que mistura partes em falsete (assinaladas com o quadrado vermelho) com partes em voz “natural”. Há que salientar que a passagem rápida entre ambos registos (falsete e voz “natural”) exige uma técnica vocal apurada. Outro exemplo em que isto acontece com muita frequência é na faixa #41 (a analisar posteriormente).
“Two Step” é provavelmente uma das músicas mais heterogéneas que Dave Matthews Band alguma vez concebeu. Porque é que esta faixa soa tão diferente das restantes? A resposta não é fácil, porém, acredito que a razão basilar reside no ritmo. Os acordes iniciais executados pelas guitarras e violino estão em contratempo (ou seja são tocados no tempo fraco e não no tempo forte). Este contratempo é reforçado com a entrada da percussão de Carter, continuando deste modo até o refrão “celebrate we will…”, momento em que a bateria estabiliza temporariamente no tempo forte. Por outro lado, outra razão que contribui para a heterogeneidade desta faixa reside no contraste existente entre a rápida pulsação (ritmo rápido) e as notas longas da voz. Este desfasamento rítmico entre materiais musicais atinge o seu paradigma em faixas como “The Dreaming Tree” (a analisar na parte 4).
A produção patente em “Crash” é um dos factores que o diferenciam do primeiro disco: Enquanto em “Under The Table And Dreaming” o processo de overdub das guitarras incluía a duplicação em quatro partes iguais, em “Crash” o overdub inclui várias partes diferentes sobrepostas. Segundo o livro oficial “Crash - Play It Like It Is” a faixa “Two Step” conta com a presença de sete diferentes tablaturas para guitarra (entre elas o uso cada vez mais dominante da guitarra eléctrica tocada por Tim Reynolds).
Chegou o momento de falarmos de uma das temáticas dominantes neste disco:
“Say, my love, I came to you
With best intentions
You laid down and gave to me just what
Im seeking
Love, you drive me to distraction”
Lembram-se da temática do primeiro álbum - a tal necessidade de aproveitar cada momento da vida e a tal ideologia unificadora da humanidade? Esta ideia continua neste disco porém deixa a escala universal para se aperfeiçoar no foro pessoal – ou seja, uma das questões mais implícitas deste disco pode ser resumida a uma única palavra: SEXO.
A letra de “Too Much” é um dos exemplos que aponta para esta temática, através de uma alusão indirecta à prática de sexo oral dentro de um carro, num contexto de trânsito rodoviário:
“Straight in, suck up and go,
Cool it, swallow, swallow
Breathe deep, take it all
It comes cheap
(…)
Ooh traffic jam got more cars
Than a beach got sand
Suck it up, suck it up, suck it up,
Fill it up until no more
Im no crazy creep, Ive got it coming
To me because Im not satisfied
The hunger keeps on growing”
Por outro lado, quando Dave canta "in between the lines", a referência sexual pode ser simbolicamente transportada para o consumo de drogas. Na parte anterior já falamos no simbolismo e ambiguidade presente nas letras de Matthews, cujo exemplo paradigmático pode ser encontrado na letra de "Too Much". Apesar de tanta incerteza, não existem dúvidas que a temática desta faixa sobrepõe e desenvolve uma série de obsessões, vícios e excessos.
Em termos musicais encontramos nesta faixa um dos tais rótulos frequentemente atribuídos à banda: Funk. Aliás, este rótulo também encaixa em “So Much to Say”, o que explica a frequente junção de ambas faixas no contexto de concerto ao vivo. Quais são os elementos que caracterizam esta sonoridade? Mais uma vez a palavra de ordem é o ritmo, através do gradual uso de partes em mute na guitarra (técnica de alternar som e silencio conforme o ritmo desejado, através do abafar ligeiro das cordas – exemplo: www.youtube.com/watch?v=8rJqVvSyulQ ) – esta é outra das características basilares do toque guitarristico de Dave Matthews. Na quarta parte desde conjunto de bibliografias comentadas voltaremos a esta questão, quando analisarmos as faixas “Rapunzel” ou “Stay (Wasting Time)”. Ainda nesta faixa percepcionamos o exemplo de um perfeito trabalho de grupo, confirmado através de preenchimentos harmónicos bem como solos bem expostos por parte do violinista e saxofonista da banda. As interjeições destes instrumentos solistas surgem como resposta ao que Dave canta, muitas vezes através da repetição do contorno melódico do que executa a voz (esta técnica é frequentemente designada de contra canto). Esta “igualdade de circunstâncias” não estava tão patente no primeiro registo da banda, talvez devido à necessidade de evitar um maior número de passagens instrumentais de modo a manter o disco o mais “rádio edit” possivel.
Continuando por esta viagem pelo foro privado/sexual deste disco, encontramos “Crash Into Me”. Lançada como quarto single, esta faixa é conhecida pela sua letra tendencialmente erótica, que segundo Dave Mathews foi escrita “para a mulher da minha vida, com quem acabei por me casar”. Algumas das palavras escolhidas por David podem dar azo a diferentes interpretações como o exemplo do verbo “to come” que pode simbolizar por um lado uma movimentação/aproximação, por outro o culminar do acto sexual com um orgasmo. Este é um dos exemplos mais representativos da carga erótica presente em algumas das letras escritas por Dave Matthews:
“Oh and you come crash into me, yeah
Baby, and I come into you
Hike up your skirt a little more
And show your world to me
In a boy's dream”
Em termos musicais encontramos um material musical muito restrito… O que torna esta faixa especial é o facto de a guitarra executar um basso ostinato (baixo cíclico que se repete ao longo da canção) nos graus VI-IV-V-I, enquanto Dave canta de modo muito intimista, usando para esse propósito um elevado número de falsettos.
Outra música que tem como base um basso ostinato é a faixa que fecha o disco “Proudest Monkey”. Ao todo são nove minutos musicais construídos sobre a base harmónica de I-V-IV-I em Lá bemol Maior. Em termos temáticos voltamos ao símbolo do macaco, muito recorrente na carreira da banda em faixas como “What Would You Say”, “Big Eyed Fish”, “Shake Me Like A Monkey” ou “Why I am” (estas duas últimas serão analisadas na parte 8). Com esta letra Matthews enfatiza a viagem de um macaco até à civilização, fazendo uma alusão à colisão "crash" entre a calma vida na selva e a azáfama citadina:
“I climbed out of these safe limbs
Ventured away
Walking tall, head high up and singing
I went to the city
Car horns, corners and the gritty
Now I am the proudest monkey you've ever seen
Monkey see, monkey do”
Após a momentânea tomada de consciência do macaco, inicia-se mais uma secção instrumental que dura seis minutos cujo grande e único protagonista é Leroi no saxofone. Carter grava uma série de sons emitidos de vários instrumentos de percussão, no que à primeira audição parece ser uma tentativa de recriar alguns sons comummente associados à selva. A faixa #41 inclui outro momento basilar para a fermentação deste tipo de secções instrumentais.
#41 foi originalmente escrita como resposta a um processo judicial provocado pelo antigo manager da banda Ross Hoffman (que visava obter direitos sobre as músicas escritas pelo grupo do inicio da década). A letra da música expressa a tristeza de Matthews enquanto experienciava as disputas legais com um dos seus mentores:
“Come and see
I swear by now Im playing time
I against my troubles
Im coming slow but speeding
Do you wish a dance and while im
In the front
The play on time is won
But the difficulty is coming here”
Esta faixa inclui uma das prestações vocais mais memoráveis de Dave Matthews, apresentando-se num âmbito vocal alargado de 14 tons – de Mi3 ao Dó5. Há que lembrar que a tessitura vocal de um barítono (equivalente à de Dave Matthews) raramente atinge as notas apresentadas, principalmente as agudas.
A segunda metade da canção é preenchida apenas com solos dos elementos do grupo: primeiro com Boyd no violino, posteriormente com Leroi a tocar flauta transversal e saxofone alto (em alguns momentos ouvem-se simultaneamente ambos instrumentos de sopro em overdub). Esta autêntica JAM prolonga-se até ao solo de Carter no inicio da faixa seguinte “Say Goodbye”. Estes cinco minutos de música instrumental evidenciam uma notória mudança em relação ao trabalho antecessor. Em “Crash” a banda sabia exactamente para que público se dirigia e isso é notável através do transporte para a gravação das intermináveis JAMS presentes nos concertos. Por outro lado, se tivermos a noção que a esmagadora maioria das músicas já circulava nos concertos anos antes de serem gravadas, podemos sugerir que estas foram-se aprimorando ao longo do tempo.
Após o solo de Carter, Dave narra a história de dois amantes em “Say Goodbye”: ela é casada com outro e o sujeito poético está completamente embriagado pela sua beleza. A letra enfatiza uma possível noite romântica entre os dois para depois dizerem adeus e voltarem como amigos. Depois de tanto implorar por uma única noite de amor, o ambiente fica pesado e os agudos tomam conta da voz de Matthews, auxiliado por um autêntico orgasmo musical que pode simbolizar o ponto mais alto dessa mesma noite. Depois tudo fica muito calmo e num falsete gracioso Dave canta "And tomorrow we say goodbye" representando o momento em que os dois amantes se despedem depois de uma louca noite de amor.
“Love I'll see you
Just for this evening
Let's strip down, trip out at this
One evening starts with a kiss
Run away"
O momento íntimo é subitamente interrompido pelo riff de “Drive In Drive Out”. Em termos líricos estamos perante a faixa menos interessante do disco, porém a nível musical encontramos mais uma prestação instrumental muito bem conseguida, especialmente nos últimos minutos da canção. No que diz respeito à produção nota-se um apurado trabalho de overdubbing nos diferentes canais (Left e Right), especialmente notória nas partes de guitarra.
Muito mais interessante é a faixa “Let You Down”, que logo à primeira audição se prevê intimista através da escolha instrumental: Dave volta à guitarra acústica e algures no meio da canção assobia (este é um momento singular na carreira da banda), Carter deixa temporariamente a bateria para dedicar algum tempo aos membranofones tocados com as mãos (nomeadamente congas e jembé). A escolha deste último instrumento cuja origem crê-se ser africana aponta para uma questão interessante: Até que ponto as influências africanas (nomeadamente sul africanas de onde é natural Matthews) estão presentes na obra de Dave Matthews Band? Acredito que a resposta resida mais uma vez no ritmo. A auxiliar esta questão será interessante referir que as influências de grande parte dos elementos da banda são importadas de nomes como Elvin Jones, Miles Davis até John Coltrane, personalidades afro-descendentes que se tornaram expoentes máximos do meio jazzistico norte-americano. Deste modo será normal encontrarmos resíduos destas influências na música da banda. Por outro lado a vivência pessoal de Dave Matthews em África do sul influenciou não só a sua composição musical como também lírica, a julgar pela temática presente em “Cry Freedom”.
Em 1988 Richard Attenborough dirige o filme “Cry Freedom”, cuja história verídica resume-se à amizade entre dois homens sul-africanos: o editor liberal “branco” Daniel Woods e o activista “negro” Stephen Biko. Após ter conhecimento dos horrores do Apartheid através das descrições de Biko, Woods descobre que o seu amigo foi silenciado pela polícia. Determinado a levar a verdade ao conhecimento de todo o mundo, Woods embarca numa perigosa aventura para escapar com a sua família para fora de África do Sul e divulgar a história de Biko.
“Temos a certeza que podemos juntos construir
uma África do Sul em que valha a pena viver.
Uma África do Sul para iguais - brancos ou negros.
Tão bela como esta terra é, tão bela como nós somos.”
Discurso de Stephen Biko (Danzel Washington) no filme “Cry Freedom”.
Dave Matthews viveu os seus primeiros dois anos da sua vida bem como parte da sua adolescência em África do Sul, país que estava sob a égide do regime político cuja ideologia expressava a superioridade dos brancos perante os restantes povos. Havia uma separação física entre ambos “mundos” de acordo com regras que os impediam os dominados de serem verdadeiros cidadãos. O regime durou 40 anos, desde 1948, tendo sido abolido apenas em 1990 por Frederik de Klerk.
Apesar de ter sido editada após a primeira eleição livre na África do Sul que aclamou Nelson Mandela (1994), a faixa “Cry Freedom” já circulava nas setlists dos primeiros concertos da banda em 1991. Em termos musicais não existem muitas questões novas a desenvolver, a não ser o facto de esta faixa incluir acompanhamento predominante de guitarra eléctrica (e não da já “velha” acústica), com alguns apontamentos de fundo do violino e saxofone. O momento paradigmático da já reincidente temática de igualdade e fraternidade entre seres humanos surge na sincera letra de “Cry Freedom”, que serve transversalmente para homenagiar todos os que morreram durante o regime, com especial destaque para Stephen Biko:
"Hands and feet are all alike
But gold between divide us
Hands and feet are all alike
But fear between divide us
All slip away
How can I turn away
Brother/Sister go dancing
Through my head
Human as to human"
Este autêntico hino à fraternidade e à paz acaba em suspenso com a ambígua afirmação “The future is no place To place your better days”. Podemos ler esta frase segundo dois prismas: um primeiro que aponta para a necessidade de agir no presente sem esperar pelo futuro; por outro lado esta frase pode ser um indício de pessimismo e falta de confiança no futuro. Considerando a segunda hipótese, estamos perante os primeiros resíduos líricos que marcarão o ambiente sombrio e pessimista presente em álbuns posteriores como”Before This Crowded Streets” e “Busted Stuff”.
A temática “Carpe Diem” volta à ribalta em faixas como “Lie In Our Graves” e “Tripping Billies”. A primeira é especialmente interessante porque destrói por completo a noção de formato canção (no sentido em que não conseguimos discernir diferença entre um verso e refrão). Por outro lado é curioso percepcionar que dos quase seis minutos que duram a faixa, apenas dois incluem a voz de Dave… tudo o resto é construído à base de interjeições instrumentais. A diferença fundamental entre esta secção instrumental e a que ouvimos nas faixas “#41” e “Say Goodbye” prende-se no facto de que estas últimas incluem solos exibicionistas em formato JAM, ao contrário da secção instrumental de “Lie In Our Graves” que se mostra muito mais coesa e diplomática, com uma textura global que sugere a igual importância de todos os instrumentos tocados ao mesmo tempo.
“I can’t believe that we would lie in graves
Wondering if we had spent our living days well
I can’t believe that we would lie in graves
Wondering what we might have been”
Para além da já reincidente técnica de desenvolver a música a partir de uma introdução que se prolonga ao verso, encontramos nesta faixa mais um caso especifico de onomatopeia musical: quando Dave diz “Splish splash me and you taking a bath” Carter exectuta na caixa o que parece ser uma alusão à movimentação da água. Já encontramos esta característica em “What would You Say” (parte 2).
A faixa “Tripping Billies” é das criações mais antigas de Dave Matthews Band, tendo sido estreada em concerto ainda em 1991. Quando comparamos esta com a versão ao vivo contida em “Remember Two Things”, notamos que em termos globais a canção não sofreu grandes alterações líricas nem musicais. Em termos musicais encontramos uma equilibrada relação entre o saxofonista e o violinista, apesar do segundo ser o verdadeiro rei ao executar vários solos ao longo da faixa. A letra entra em consonância com a temática "Carpe Diem":
“ Tequila drinking oh our
Minds will wonder
To wonderous places
So why would you care
(…)
Eat, drink and be merry
For tomorrow we die”
Tal como a própria capa do disco indica, “Crash” é uma colisão de ideias, de impressões, de imagens… é uma sobreposição de mundos temáticos devidamente unificados neste grupo de 12 faixas. Como já referi anteriormente, grande parte das músicas presentes neste disco foram criadas durante ou até mesmo antes da gravação do primeiro álbum do grupo (ver secção curiosidades). Estas canções foram evoluindo ao vivo, sob o olhar atento do público através de um verdadeiro work in progress.
Ao compararmos “Under The Table And Dreaming” e “Crash” é curioso notar que em ambos registos o produtor é o mesmo, os estúdios são os mesmos, em princípio os equipamentos de captação e gravação devem ter sido semelhantes, e as próprias canções presentes em ambos álbuns foram quase todas criadas na mesma época… Assim sendo, como explicar a diferença sonora de ambos discos? O aumento do tempo das faixas, a fuga ao formato canção, o elevado preenchimento da textura musical através de várias sobreposições em overdub (e em diferentes canais – Left e Right), o aumento das interjeições instrumentais… são o resultado de escolhas colectivas (da banda e produtor) enformadas pelo conhecimento do mercado que a atingir. Quando Lillywhite refere a necessidade de fazer “mudanças”, era porque sabia que o público a atingir era o mesmo que comprava os ingressos para os concertos, era o mesmo que aplaudia o que gostava e apupava o quando algo não agradava. Assim, o objectivo já não era fazer um disco abrangente mas sim focalizado nesse público, nesse mercado específico.
Curiosidades:
Em seguida apresento as datas em que as faixas deste disco foram apresentadas pela primeira vez ao vivo. Há que notar que a grande maioria das músicas já existiam muito antes de se iniciar o processo de gravação deste registo.
"So Much to Say" – Estreada em concerto em 1992.
"Two Step" – Estreada em concerto em 1992.
"Crash into Me" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"Too Much" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"#41" – Estreada em 1995, ano em que se iniciaram as gravações do disco “Crash”
"Say Goodbye" – Estreada na tournée de 1993. Inicialmente era conhecida como “Anynoise/Antinoise”.
"Drive In, Drive Out"– Estreada em 1992.
"Let You Down" – Estreada em 1994, esta faixa foi a menos tocada do disco. Não existem registos desta faixa desde 1997.
"Lie in Our Graves" – Estreada em concerto em 1992. Era também conhecida como “Peanuts”.
"Cry Freedom" – Foi tocada pela primeira vez em 1991.
"Tripping Billies" – Foi tocada pela primeira vez em 1991, e desde então não falhou uma única tournée.
"Proudest Monkey" – Estreada em 1994, inicialmente como tease, posteriormente evoluindo para a versão que ficou registada no álbum.
(fonte: dmbalmanac.com/)
Singles:
1. "Too Much"
Editado: 1996
2. "So Much to Say"
Editado: 1996
3. "Two Step"
Editado: 1996
4. "Crash into Me"
Editado: 1996
5. "Tripping Billies"
Editado: 1996
”Crash” superou o sucesso do disco antecessor, garantindo até hoje o recorde de álbum mais vendido da banda. Passaram-se dois anos e o grupo retorna aos estúdios para preparar o terceiro álbum “Before These Crowded Streets”:
We had to build all songs from "Before These Crowded Streets" from scratch, because we recorded all the stuff we had on "Under The Table..." and "Crash".
» Boyd Tinsley (The Road To Big Whisky - FUSE)
"Before These Crowded Streets” was a dark record. It was still sunny but the clowds were starting to appear in the scene.”
» Steve Lillywhite (The Road To Big Whisky - FUSE)
CONTINUA NA PARTE 4