Post by marcofreitas86 on Jul 24, 2009 21:01:10 GMT 1
Após o lançamento de “Remember Two Things “ e de “Recently” (EP ao vivo), era natural que o progressivo reconhecimento de Dave Matthews Band culminasse no assinar de um contrato discográfico com uma major – a RCA. Impulsionada por um currículo invejável de canções e pelo auxílio de Steve Lillywhite na produção, a banda embarcou no processo de gravação de “Under the Table And Dreaming”, primeiro registo da banda pela RCA.
UNDER THE TABLE AND DREAMING
Editado: 27 Setembro de 1994
Tempo total: 63:00
Editora: RCA
Produtor: Steve Lillywhite
Faixas:
1. "The Best of What's Around" – 4:17
2. "What Would You Say" – 3:42
3. "Satellite" – 4:51
4. "Rhyme & Reason" – 5:15
5. "Typical Situation" – 5:59
6. "Dancing Nancies" – 6:05
7. "Ants Marching" – 4:31
8. "Lover Lay Down" – 5:37
9. "Jimi Thing" – 5:57
10. "Warehouse" – 7:06
11. "Pay for What You Get" – 4:32
34. "#34" – 5:00
Gravado em: Bearsville Studios, Woodstock, New York
“Under The Table And Dreaming” é um autêntico hino à vida, à boa disposição, à paz e fraternidade entre seres humanos. A própria capa do disco não deixa margens para dúvidas: trata-se da celebração da vida e da necessidade de aproveitar todos os benefícios da mesma. Mas porque nem tudo na vida são rosas, Dave Matthews dedica algum do seu tempo a expor algumas dúvidas existenciais do ser humano, sem esquecer a pálida referência ao consumo de drogas. Deixemos estas questões temporariamente em aberto e avancemos nesta viagem pelo primeiro álbum da banda com a análise do primeiro single: “What Would You Say”.
Na primeira parte desta série de discografias comentadas eu fiz referência a uma pseudo impossibilidade em rotular o género/estilo musical desta banda. Queria voltar a esta questão e tentar perceber a possível catalogação desta faixa, cuja sonoridade é muito próxima do chamado country style. Primeiro temos a participação especial de John Popper (membro de Blues Traveller) a tocar harmónica (instrumento característico do género), temos muitos slides e glissandos no riff inicial da guitarra (técnica característica do género), o tratamento vocal de Dave Matthews ajuda também à situação… para além de constatar o óbvio – a própria banda inclui outro instrumento característico de country – o violino de Boyd. Sendo este o primeiro single seria demasiado fácil catalogar a banda como um country act, facto que não se materializa no resto do álbum.
Durante o processo de composição/concepção de uma determinada canção ou álbum esta questão da categorização não costuma ser uma preocupação predominante por parte dos músicos… esta é muito mais uma criação dos sistemas de divulgação de modo a garantir o escoamento do produto ao seu público… ou seja, para que os discos estejam alinhados consoante um rótulo dentro de uma loja de discos. Tudo isto para concluir que “What would you say” é uma canção híbrida no que diz respeito ao estilo musical, provando mais uma vez que o rotular de uma canção/álbum/banda é uma tarefa muito ambígua, já que os limites entre géneros não estão estabelecidos. Muito menos ambígua é a a letra desta faixa, que entra em consonância com a já referida temática geral do álbum – a necessidade de viver com intensidade o dia-a-dia:
Considero interessante referir o uso de onomatopeia musical no decorrer do verso “Knock knock on the door”, com Carter a imitar o som do bater à porta. Esta ideia de transportar um som do quotidiano para a música, ou a tentativa de elucidar uma imagem através da música é outra característica recorrente da banda… um outro exemplo será o “Lie In Our Graves” (a desenvolver na terceira parte).
Outra particularidade basilar da composição de Dave Matthews Band consiste na repetição de um determinado riff até à exaustão, normalmente executado primeiro sob a forma de introdução, continuando posteriormente como acompanhamento do verso. Ao longo da carreira da banda encontramos inúmeros exemplos deste tipo de composição (arriscava afirmar que cerca de metade das composições do grupo são desenvolvidas através deste método). Só neste álbum encontramos seis exemplos, desde o já referido “What would you say”, passando por “Satellite”, “Rhyme and Reason”, “jimmy thing”, “Typical situation” e “Warehouse”.
Analisemos ao pormenor o riff de “Satellite”:
Introdução/Verso
E:------------------------------------------------
B:------------------------------------------------
G:------------------------------------------------
D:---------8-------6-------5---------------6----
A:-----6-------4-------------------8---4----------
E:-4-------------------8-------6---------------8--
Esta introdução alterna duas melodias diferentes, diferenciadas na tablatura pelo negrito. Há que notar que as notas a negrito são aquelas que o Leroi e Tinsley tocam ainda na introdução enquanto as restantes sugerem uma típica melodia de baixo harmónico. Tal como a maioria das canções construídas sobre este esquema, é só no refrão que a guitarra abandona o riff apresentado. No geral poderíamos afirmar que na introdução de “Satellite” encontramos o material musical que predomina em toda a textura da canção.
A doçura de “Satellite” é abruptamente interrompida pela tenebrosa mensagem de “Rhyme And Reason”:
Aqui encontramos uma característica interessante da escrita de Dave Matthews: a letra pode sugerir uma série de situações sem que estas estejam directamente referidas. A ambiguidade presente nestas letras aponta para uma ideia de “simbolismo” onde diferentes interpretações possam ser elaboradas a partir da mesma letra. Vamos observar outro exemplo patente em “Jimmi Thing”:
Qual a temática? Drogas ou sexo? A alusão ao “remédio” que “anda por aí” e cuja “procura nunca pára” pode muito bem ser uma referência obscura a ambas necessidades. É esta ambiguidade e recorrência a muitas figuras de estilo que pontua a escrita de muitas das letras de Dave Matthews. Deste modo estas duas faixas têm muito mais em comum que terem um riff introdutório que se prolonga até ao refrão… a temática de ambas faz uma alusão ao consumo de drogas, de forma um pouco suavizada em “Jimmi Thing” porém muito mais angustiante em “Rhyme And Reason”. O tratamento vocal nesta última faixa tenta passar uma noção de agonia crescente através de um canto “rouco” nos refrões. Esta forma de cantar é mais tarde desenvolvida em temas como "Halloween" lançado no EP ao vivo "Recently", mais tarde convertido no álbum de estúdio "Before These Crowded Streets” (a desenvolver na parte 4).
Aproveitando o mote, devo referir que de um modo geral o tratamento vocal neste álbum está um pouco diferente dos álbuns seguintes, no sentido em que grande parte das músicas a voz de Dave Matthews surge enredada de efeitos de eco (ou poderá ser apenas uma questão de estarmos perante diferentes métodos de captação). Um exemplo paradigmático deste efeito está implícito na faixa que abre o disco “The Best Of Whats Around”. O coro presente no fim desta faixa é porém um dos momentos mais singulares deste álbum, salientando a temática de uma música que preza a "unidade" entre as pessoas, numa alusão directa à busca do “melhor que há na vida”.
Em “Lover Lay Down” a noção de voz atinge um patamar extremo. Na verdade o grande protagonista desta faixa é o saxofone do "rei" Leroi, fazendo com que a voz de Matthews passe quase despercebida durante o segundo verso (como se estivesse fundida com a textura instrumental) enquanto Leroi executa os seus solos.
Com um ambiente instrumental parecido encontramos “You Pay For What You Get”, com uma harmonia estática/imutável (tal como em “Lover Lay Down”). O Carter está em pleno destaque ao executar ao longo de toda a faixa alguns rudimentos na bateria com baquetas de vassoura, produzindo deste modo um som mais blues/jazzistico.
É de notar a ausência de Boyd Tinsley nestas duas faixas. Aliás, no geral o violinista não tem um papel tão dominante neste trabalho como por exemplo o saxofone de Leroi que chega a ter o seu contributo duplicado em pistas diferentes (ou seja em overdub). Seria interessante perceber se esta foi uma escolha da banda ou se terá sido uma imposição dos produtores, já que em meados dos anos 90 não seria muito comum a inclusão permanente de violino numa banda “rock”. Podemos especular a possível razão, porém não devemos deixar de admitir que Tinsley conseguiu o seu momento hegemónico na faixa “Warehouse”. Nesta faixa encontramos o exemplo perfeito de uma canção que tem partes bem definidas através da mudança brusca de ambientes musicais. O inicio de “Warehouse” surge com uma textura musical pesada, através dos carregados acordes da guitarra auxiliados pelo saxofone e violino. No refrão toda a textura parece mudar através da mudança de ritmo na bateria bem como através da ausência de acordes “rasgados” que caracterizavam a primeira parte. Ainda no refrão surge o destaque de Boyd a executar a técnica pizzicato no violino (tal como em “Recently”, na primeira parte deste grupo de análises). Esta oposição entre texturas musicais dentro da mesma faixa atinge o seu paradigma no álbum “Big Whisky And The GrooGrox King” (a desenvolver na oitava parte).
Para já vamos fazer um pequeno intervalo na descrição das faixas para avançarmos para uma pequena contextualização historica no que concerne ao estado da industria musical em 1994. O ano em que a Dave Matthews Band lançou “Under The Table And Dreaming” culminou num período importante para o eclodir de uma série de tendências musicais: Primeiro com o revival do movimento Punk com o emergir de artistas como Greenday, Blink 182 e The Offspring; o rap começa a ganhar cada vez mais notoriedade com artistas como Notorious BIG e Tupac Shakur; o eclodir de Boysbands na Inglaterra com Take That e East 17 pautaram o inicio de uma era enredada de agrupamentos masculinos e femininos (como exemplo de En Vogue); a banda Boyz II Men estava no auge do seu sucesso com o lançamento de “II”, enquanto Tony Braxton e TLC eram imagem de marca para milhões de afro-americanos. Influenciada por esta vaga soul e RnB, Madonna decide dar mais uma das suas piruetas artísticas com o lançamento do álbum “Bedtime Stories”. Mas o momento que chocou o mundo foi o suicídio de Kurt Cobain, vocalista e guitarrista da banda Nirvana, considerado por muitos analistas como o pai do Grunge. Onde se insere Dave Matthews Band nesta constelação de tendências?
A letra de “Dancing Nancies” retracta algum do ambiente vivido na primeira metade da década de 90 na América: A busca de respostas para a vida, a capacidade de lidar com a frustração e até mesmo com a morte é uma das temáticas mais acesas no decorrer deste disco. O próprio Dave Matthews passou por uma perda complicada durante a concepção deste disco, dedicando o mesmo à memória da sua irmã Anne que foi assassinada pelo marido no decorrer desse ano. Em termos musicais não será de descurar uma possível relação entre o ruffo de Carter com uma possível alusão à tropa/exército, como uma das saídas possíveis para o marasmo definido na letra. Por outro lado a referência “Nancie” que no mundo anglófono está conotado com a definição pejorativa de homossexual, pode ser vista como uma outra saída para a crise existencial definida nesta letra. Tal como em “Warehouse”, a forma musical de “Dancing Nancies” é marcada pela mudança de textura musical, com um ambiente sombrio nos versos que contrasta com o apoteótico e festivo refrão.
A inquietude patente em faixas como “Rhyme And Reason” e “Dancing Nacies” encontra um oposto temático em “Typical Situation”. Aqui a letra surge bem mais racional, equiparando questões da natureza e seus “números”. Musicalmente não há grandes considerações a tomar, a não ser o facto de encontrarmos aqui o primeiro registo onde Leroi troca o seu saxofone pela flauta. Mais uma vez é de notar a quase ausência de Boyd Tinsley, cuja intervenção é reduzida a um acompanhamento de fundo.
Finalmente chegou o momento de fazermos referência a “Ants Marching”. Lançada como quarto single deste disco, esta faixa apresenta-se muito diferente da versão que encontramos em “Remember Two Things”. A primeira grande diferença surge quando comparamos o tempo da música em ambos registos (diferença de 2 minutos): enquanto no primeiro registo a banda estendia-se em solos na introdução e entre versos, a versão contida neste trabalho está reduzida essencialmente às partes vocais, tendo apenas alguns segundos destinados aos solos de Leroi e Tinsley no fim. Terá sido esta uma opção da banda ou uma imposição dos produtores? É necessário lembrar que sendo este o primeiro trabalho da banda em larga escala, seria natural que os produtores quisessem mantê-lo o mais “radio friendly” possível – ou seja, jogar pelo seguro. Claro que tudo isto são hipóteses a ponderar que podem muito bem não corresponder à realidade. Por outro lado, não podemos esquecer que o papel do produtor existe, e que este é fulcral para a definição da sonoridade de uma banda… É como se fosse um membro adicional ao grupo. Por exemplo, os álbuns de Michael Jackson produzidos pelo Quincy Jones têm uma sonoridade característica que os difere dos restantes. No limite são tudo escolhas, quer da banda quer dos produtores, e todas as hipóteses devem ser equacionadas quando se trata de mutações desta natureza.
A letra de “Ants Marching” faz um apelo à comunicação entre seres humanos: no primeiro verso através da narração do dia a dia de um casal; no segundo verso alargada a uma escala maior, fazendo uma comparação entre os humanos e as formigas:
Finalmente há que salientar que esta é possivelmente das músicas mais conhecidas da banda, estando frequentemente presente nas inúmeras tournées efectuadas pela mesma nos últimos 17 anos.
Após 22 faixas "em branco", surge o #34. Apesar de ter sido escrita e gravada uma letra para a música, esta acabou por ser retirada para a edição final do álbum. Como faixa instrumental, o #34 não tem uma forma canção tradicional (que normalmente implica a alternância de dois momentos musicais diferentes), apesar de ter um tema fixo inicialmente tocado pela guitarra, sendo posteriormente repetido até à exaustão pelo saxofone. É de notar algumas parecenças entre este tema e o riff acima analisado de “Sattelite”. Nomear uma faixa com números é uma prática comum da banda (outras faixas cujo nome são números incluem #40 #41 e #27). A justificação prende-se com o facto de esta ter sido a trigésima quarta faixa a ser gravada em estúdio pela banda.
Curiosidades:
Todas as partes de guitarra foram duplicadas duas vezes por Dave Matthews e Tim Reinolds, ou seja, em cada faixa estão presentes pelo menos quatro takes simultâneos com o som da guitarra em overdub.
O título deste álbum é retirado da letra de Ants Marching: “And remembers being small, Playing under the table and dreaming“.
A filha de Anne ao colo de Dave, ao lado está a sua irmão Jane ; Após a morte de Anne, os irmãos Matthews ficaram com a custódia da sobrinha.
Singles:
1. "What Would You Say"
Editado: 1994
2. "Jimi Thing"
Editado: 1994
3. "Typical Situation"
Editado: 1994
4. "Ants Marching
Editado: 1995
5. "Satellite"
Editado: 1995
Faixas gravadas que não estão presentes no album:
• "Granny" – Inicialmente Dave queria que este fosse o primeiro single.
• "Say Goodbye" – incluída posteriormente no album “Crash”
• "Get in Line"
• "Let You Down"
• "Kind Intentions (também conhecida por #32)
Após a calorosa recepção deste primeiro trabalho, a banda voltou para o estúdio em 1996 para gravar o segundo álbum “Crash”.
(...) We went to the same studio for a second time and I knew we needed to change things (...)
CONTINUA NA PARTE 3
UNDER THE TABLE AND DREAMING
Editado: 27 Setembro de 1994
Tempo total: 63:00
Editora: RCA
Produtor: Steve Lillywhite
Faixas:
1. "The Best of What's Around" – 4:17
2. "What Would You Say" – 3:42
3. "Satellite" – 4:51
4. "Rhyme & Reason" – 5:15
5. "Typical Situation" – 5:59
6. "Dancing Nancies" – 6:05
7. "Ants Marching" – 4:31
8. "Lover Lay Down" – 5:37
9. "Jimi Thing" – 5:57
10. "Warehouse" – 7:06
11. "Pay for What You Get" – 4:32
34. "#34" – 5:00
Gravado em: Bearsville Studios, Woodstock, New York
“Under The Table And Dreaming” é um autêntico hino à vida, à boa disposição, à paz e fraternidade entre seres humanos. A própria capa do disco não deixa margens para dúvidas: trata-se da celebração da vida e da necessidade de aproveitar todos os benefícios da mesma. Mas porque nem tudo na vida são rosas, Dave Matthews dedica algum do seu tempo a expor algumas dúvidas existenciais do ser humano, sem esquecer a pálida referência ao consumo de drogas. Deixemos estas questões temporariamente em aberto e avancemos nesta viagem pelo primeiro álbum da banda com a análise do primeiro single: “What Would You Say”.
Na primeira parte desta série de discografias comentadas eu fiz referência a uma pseudo impossibilidade em rotular o género/estilo musical desta banda. Queria voltar a esta questão e tentar perceber a possível catalogação desta faixa, cuja sonoridade é muito próxima do chamado country style. Primeiro temos a participação especial de John Popper (membro de Blues Traveller) a tocar harmónica (instrumento característico do género), temos muitos slides e glissandos no riff inicial da guitarra (técnica característica do género), o tratamento vocal de Dave Matthews ajuda também à situação… para além de constatar o óbvio – a própria banda inclui outro instrumento característico de country – o violino de Boyd. Sendo este o primeiro single seria demasiado fácil catalogar a banda como um country act, facto que não se materializa no resto do álbum.
Durante o processo de composição/concepção de uma determinada canção ou álbum esta questão da categorização não costuma ser uma preocupação predominante por parte dos músicos… esta é muito mais uma criação dos sistemas de divulgação de modo a garantir o escoamento do produto ao seu público… ou seja, para que os discos estejam alinhados consoante um rótulo dentro de uma loja de discos. Tudo isto para concluir que “What would you say” é uma canção híbrida no que diz respeito ao estilo musical, provando mais uma vez que o rotular de uma canção/álbum/banda é uma tarefa muito ambígua, já que os limites entre géneros não estão estabelecidos. Muito menos ambígua é a a letra desta faixa, que entra em consonância com a já referida temática geral do álbum – a necessidade de viver com intensidade o dia-a-dia:
“Rip away the tears
Drink a hope to happy years
And you may find
A lifetimes passed you by”
Considero interessante referir o uso de onomatopeia musical no decorrer do verso “Knock knock on the door”, com Carter a imitar o som do bater à porta. Esta ideia de transportar um som do quotidiano para a música, ou a tentativa de elucidar uma imagem através da música é outra característica recorrente da banda… um outro exemplo será o “Lie In Our Graves” (a desenvolver na terceira parte).
Outra particularidade basilar da composição de Dave Matthews Band consiste na repetição de um determinado riff até à exaustão, normalmente executado primeiro sob a forma de introdução, continuando posteriormente como acompanhamento do verso. Ao longo da carreira da banda encontramos inúmeros exemplos deste tipo de composição (arriscava afirmar que cerca de metade das composições do grupo são desenvolvidas através deste método). Só neste álbum encontramos seis exemplos, desde o já referido “What would you say”, passando por “Satellite”, “Rhyme and Reason”, “jimmy thing”, “Typical situation” e “Warehouse”.
Analisemos ao pormenor o riff de “Satellite”:
Introdução/Verso
E:------------------------------------------------
B:------------------------------------------------
G:------------------------------------------------
D:---------8-------6-------5---------------6----
A:-----6-------4-------------------8---4----------
E:-4-------------------8-------6---------------8--
Esta introdução alterna duas melodias diferentes, diferenciadas na tablatura pelo negrito. Há que notar que as notas a negrito são aquelas que o Leroi e Tinsley tocam ainda na introdução enquanto as restantes sugerem uma típica melodia de baixo harmónico. Tal como a maioria das canções construídas sobre este esquema, é só no refrão que a guitarra abandona o riff apresentado. No geral poderíamos afirmar que na introdução de “Satellite” encontramos o material musical que predomina em toda a textura da canção.
A doçura de “Satellite” é abruptamente interrompida pela tenebrosa mensagem de “Rhyme And Reason”:
“In my grave
Lying wired shut and quiet in my grave
Leave me here
Leave it to me to waste here”
Aqui encontramos uma característica interessante da escrita de Dave Matthews: a letra pode sugerir uma série de situações sem que estas estejam directamente referidas. A ambiguidade presente nestas letras aponta para uma ideia de “simbolismo” onde diferentes interpretações possam ser elaboradas a partir da mesma letra. Vamos observar outro exemplo patente em “Jimmi Thing”:
“Lately Ive been feeling low
A remedy is what Im seeking
I take a taste of whats below
Come away to something better”
(…)
“If you could keep me floating
Just for a while
Till I get to the end of this tunnel mommy”
Qual a temática? Drogas ou sexo? A alusão ao “remédio” que “anda por aí” e cuja “procura nunca pára” pode muito bem ser uma referência obscura a ambas necessidades. É esta ambiguidade e recorrência a muitas figuras de estilo que pontua a escrita de muitas das letras de Dave Matthews. Deste modo estas duas faixas têm muito mais em comum que terem um riff introdutório que se prolonga até ao refrão… a temática de ambas faz uma alusão ao consumo de drogas, de forma um pouco suavizada em “Jimmi Thing” porém muito mais angustiante em “Rhyme And Reason”. O tratamento vocal nesta última faixa tenta passar uma noção de agonia crescente através de um canto “rouco” nos refrões. Esta forma de cantar é mais tarde desenvolvida em temas como "Halloween" lançado no EP ao vivo "Recently", mais tarde convertido no álbum de estúdio "Before These Crowded Streets” (a desenvolver na parte 4).
Aproveitando o mote, devo referir que de um modo geral o tratamento vocal neste álbum está um pouco diferente dos álbuns seguintes, no sentido em que grande parte das músicas a voz de Dave Matthews surge enredada de efeitos de eco (ou poderá ser apenas uma questão de estarmos perante diferentes métodos de captação). Um exemplo paradigmático deste efeito está implícito na faixa que abre o disco “The Best Of Whats Around”. O coro presente no fim desta faixa é porém um dos momentos mais singulares deste álbum, salientando a temática de uma música que preza a "unidade" entre as pessoas, numa alusão directa à busca do “melhor que há na vida”.
Em “Lover Lay Down” a noção de voz atinge um patamar extremo. Na verdade o grande protagonista desta faixa é o saxofone do "rei" Leroi, fazendo com que a voz de Matthews passe quase despercebida durante o segundo verso (como se estivesse fundida com a textura instrumental) enquanto Leroi executa os seus solos.
Com um ambiente instrumental parecido encontramos “You Pay For What You Get”, com uma harmonia estática/imutável (tal como em “Lover Lay Down”). O Carter está em pleno destaque ao executar ao longo de toda a faixa alguns rudimentos na bateria com baquetas de vassoura, produzindo deste modo um som mais blues/jazzistico.
É de notar a ausência de Boyd Tinsley nestas duas faixas. Aliás, no geral o violinista não tem um papel tão dominante neste trabalho como por exemplo o saxofone de Leroi que chega a ter o seu contributo duplicado em pistas diferentes (ou seja em overdub). Seria interessante perceber se esta foi uma escolha da banda ou se terá sido uma imposição dos produtores, já que em meados dos anos 90 não seria muito comum a inclusão permanente de violino numa banda “rock”. Podemos especular a possível razão, porém não devemos deixar de admitir que Tinsley conseguiu o seu momento hegemónico na faixa “Warehouse”. Nesta faixa encontramos o exemplo perfeito de uma canção que tem partes bem definidas através da mudança brusca de ambientes musicais. O inicio de “Warehouse” surge com uma textura musical pesada, através dos carregados acordes da guitarra auxiliados pelo saxofone e violino. No refrão toda a textura parece mudar através da mudança de ritmo na bateria bem como através da ausência de acordes “rasgados” que caracterizavam a primeira parte. Ainda no refrão surge o destaque de Boyd a executar a técnica pizzicato no violino (tal como em “Recently”, na primeira parte deste grupo de análises). Esta oposição entre texturas musicais dentro da mesma faixa atinge o seu paradigma no álbum “Big Whisky And The GrooGrox King” (a desenvolver na oitava parte).
Para já vamos fazer um pequeno intervalo na descrição das faixas para avançarmos para uma pequena contextualização historica no que concerne ao estado da industria musical em 1994. O ano em que a Dave Matthews Band lançou “Under The Table And Dreaming” culminou num período importante para o eclodir de uma série de tendências musicais: Primeiro com o revival do movimento Punk com o emergir de artistas como Greenday, Blink 182 e The Offspring; o rap começa a ganhar cada vez mais notoriedade com artistas como Notorious BIG e Tupac Shakur; o eclodir de Boysbands na Inglaterra com Take That e East 17 pautaram o inicio de uma era enredada de agrupamentos masculinos e femininos (como exemplo de En Vogue); a banda Boyz II Men estava no auge do seu sucesso com o lançamento de “II”, enquanto Tony Braxton e TLC eram imagem de marca para milhões de afro-americanos. Influenciada por esta vaga soul e RnB, Madonna decide dar mais uma das suas piruetas artísticas com o lançamento do álbum “Bedtime Stories”. Mas o momento que chocou o mundo foi o suicídio de Kurt Cobain, vocalista e guitarrista da banda Nirvana, considerado por muitos analistas como o pai do Grunge. Onde se insere Dave Matthews Band nesta constelação de tendências?
“Twenty three Im so tired of life
Such a shame to throw it all away
The images grow darker still
Could I have been anyone other then me?”
A letra de “Dancing Nancies” retracta algum do ambiente vivido na primeira metade da década de 90 na América: A busca de respostas para a vida, a capacidade de lidar com a frustração e até mesmo com a morte é uma das temáticas mais acesas no decorrer deste disco. O próprio Dave Matthews passou por uma perda complicada durante a concepção deste disco, dedicando o mesmo à memória da sua irmã Anne que foi assassinada pelo marido no decorrer desse ano. Em termos musicais não será de descurar uma possível relação entre o ruffo de Carter com uma possível alusão à tropa/exército, como uma das saídas possíveis para o marasmo definido na letra. Por outro lado a referência “Nancie” que no mundo anglófono está conotado com a definição pejorativa de homossexual, pode ser vista como uma outra saída para a crise existencial definida nesta letra. Tal como em “Warehouse”, a forma musical de “Dancing Nancies” é marcada pela mudança de textura musical, com um ambiente sombrio nos versos que contrasta com o apoteótico e festivo refrão.
“Everybodys happy everybodys free
Keep the big door open, everyonell come around
Whyre you different, why are you that way
If you dont get in line well lock you away”
A inquietude patente em faixas como “Rhyme And Reason” e “Dancing Nacies” encontra um oposto temático em “Typical Situation”. Aqui a letra surge bem mais racional, equiparando questões da natureza e seus “números”. Musicalmente não há grandes considerações a tomar, a não ser o facto de encontrarmos aqui o primeiro registo onde Leroi troca o seu saxofone pela flauta. Mais uma vez é de notar a quase ausência de Boyd Tinsley, cuja intervenção é reduzida a um acompanhamento de fundo.
Finalmente chegou o momento de fazermos referência a “Ants Marching”. Lançada como quarto single deste disco, esta faixa apresenta-se muito diferente da versão que encontramos em “Remember Two Things”. A primeira grande diferença surge quando comparamos o tempo da música em ambos registos (diferença de 2 minutos): enquanto no primeiro registo a banda estendia-se em solos na introdução e entre versos, a versão contida neste trabalho está reduzida essencialmente às partes vocais, tendo apenas alguns segundos destinados aos solos de Leroi e Tinsley no fim. Terá sido esta uma opção da banda ou uma imposição dos produtores? É necessário lembrar que sendo este o primeiro trabalho da banda em larga escala, seria natural que os produtores quisessem mantê-lo o mais “radio friendly” possível – ou seja, jogar pelo seguro. Claro que tudo isto são hipóteses a ponderar que podem muito bem não corresponder à realidade. Por outro lado, não podemos esquecer que o papel do produtor existe, e que este é fulcral para a definição da sonoridade de uma banda… É como se fosse um membro adicional ao grupo. Por exemplo, os álbuns de Michael Jackson produzidos pelo Quincy Jones têm uma sonoridade característica que os difere dos restantes. No limite são tudo escolhas, quer da banda quer dos produtores, e todas as hipóteses devem ser equacionadas quando se trata de mutações desta natureza.
A letra de “Ants Marching” faz um apelo à comunicação entre seres humanos: no primeiro verso através da narração do dia a dia de um casal; no segundo verso alargada a uma escala maior, fazendo uma comparação entre os humanos e as formigas:
"driving in on this highway
All these cars and upon the sidewalk
People in every direction
No words exchanged
No time to exchange
And all the little ants are marching
Red and black antennas waving
They all do it the same
They all do it the same way"
Finalmente há que salientar que esta é possivelmente das músicas mais conhecidas da banda, estando frequentemente presente nas inúmeras tournées efectuadas pela mesma nos últimos 17 anos.
Após 22 faixas "em branco", surge o #34. Apesar de ter sido escrita e gravada uma letra para a música, esta acabou por ser retirada para a edição final do álbum. Como faixa instrumental, o #34 não tem uma forma canção tradicional (que normalmente implica a alternância de dois momentos musicais diferentes), apesar de ter um tema fixo inicialmente tocado pela guitarra, sendo posteriormente repetido até à exaustão pelo saxofone. É de notar algumas parecenças entre este tema e o riff acima analisado de “Sattelite”. Nomear uma faixa com números é uma prática comum da banda (outras faixas cujo nome são números incluem #40 #41 e #27). A justificação prende-se com o facto de esta ter sido a trigésima quarta faixa a ser gravada em estúdio pela banda.
Curiosidades:
Todas as partes de guitarra foram duplicadas duas vezes por Dave Matthews e Tim Reinolds, ou seja, em cada faixa estão presentes pelo menos quatro takes simultâneos com o som da guitarra em overdub.
O título deste álbum é retirado da letra de Ants Marching: “And remembers being small, Playing under the table and dreaming“.
A filha de Anne ao colo de Dave, ao lado está a sua irmão Jane ; Após a morte de Anne, os irmãos Matthews ficaram com a custódia da sobrinha.
Singles:
1. "What Would You Say"
Editado: 1994
2. "Jimi Thing"
Editado: 1994
3. "Typical Situation"
Editado: 1994
4. "Ants Marching
Editado: 1995
5. "Satellite"
Editado: 1995
Faixas gravadas que não estão presentes no album:
• "Granny" – Inicialmente Dave queria que este fosse o primeiro single.
• "Say Goodbye" – incluída posteriormente no album “Crash”
• "Get in Line"
• "Let You Down"
• "Kind Intentions (também conhecida por #32)
Após a calorosa recepção deste primeiro trabalho, a banda voltou para o estúdio em 1996 para gravar o segundo álbum “Crash”.
(...) We went to the same studio for a second time and I knew we needed to change things (...)
»»»Steve Lillywhite – The Road to big whisky (FUSE)
CONTINUA NA PARTE 3